Tubarão 40 anos

Há quatro décadas, estreava o primeiro blockbuster de todos os tempos

Zero Hora

Há 40 anos, "Tubarão" inaugurava a era dos grandes fenômenos de bilheteria

Marcelo Perrone

Em muitas noites sem dormir naquele ano de 1974, Steven Spielberg se viu naufragando com o barco que o levaria ao lugar mais alto de Hollywood. As filmagens de Tubarão seguiam sob caos e tensão permanente. Com orçamento e prazo estourados e sua equipe à beira de um motim, o diretor de 26 anos vislumbrava seu nome em uma nota de rodapé, como o menino-prodígio que morreu na praia.

Mas ele chegou lá. Tubarão estreou nos cinemas dos EUA em 20 de junho de 1975 inaugurando o conceito do blockbuster e sob recepção calorosa de crítica e público. Foi o primeiro filme a superar a casa dos US$ 100 milhões em bilheteria.


Spielberg embarcou no projeto Tubarão com relutância. O jovem diretor era cria do estúdio Universal, no qual começou comandando séries de TV. Surpreendeu com o telefilme Encurralado (1971), que de tão bom ganhou lançamento também nos cinemas. Seu primeiro projeto para a tela grande, Louca Escapada(1974), havia recém estreado, coberto de elogios, quando a Universal confiou a ele uma grande produção: a adaptação de Jaws (“Mandíbulas”), best-seller de Peter Benchley que narrava a caçada a um tubarão branco gigante.

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Na época, o cineasta pensava em realizar longas autorais e via a história do tubarão como entretenimento de segunda linha. Como não conseguiu viabilizar o que seria, anos depois, seu Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Spielberg, combinando coragem e estupidez, como gosta de lembrar, começou a rodar Tubarão em 2 de maio de 1974. Ficou de concluir os trabalhos em 30 de junho, gastando US$ 3,5 milhões. As filmagens arrastaram-se até 17 de setembro e consumiram US$ 10 milhões. 

Spielberg reconhece sua parcela de culpa na caótica realização, creditada à arrogância da juventude. Em vez de filmar cenas aquáticas em um tanque, como queriam os produtores, impôs, em nome do realismo, locações na costa leste dos EUA, tendo de lidar com o humor da natureza em mar aberto. Ao ser informado de que não era possível treinar tubarões, como golfinhos e orcas, Spielberg viu que seu filme dependeria de um monstrengo mecânico que, junto com o roteiro escrito e reescrito no set, tornou-se a sua grande dor de cabeça.Embora um recurso revolucionário à época, Bruce, apelido do tubarão de mentirinha com movimentos eletrônicos, vivia dando pane e submetendo atores e técnicos a longas esperas que deixavam nervos à flor da pele.

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A solução, lapidada na montagem, foi deixar o bicho fora de cena o maior tempo possível e concentrar a narrativa na tensão sugerida por sua presença, algo que a trilha sonora de John Williams se encarregou de reforçar brilhantemente, e na relação dos três homens que se lançam ao mar para caçar o tubarão: Brody (Roy Scheider), o policial da cidadezinha apavorada pelos ataques, Hooper (Richard Dreyfuss), o cientista marinho, e Quint (Robert Shaw), o experiente pescador.

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Passados 40 anos, a sobrevivência de Tubarão como um ótimo filme e um ícone da cultura pop mostra que, ainda sem saber, Spielberg já dosava com exatidão os ingredientes que fariam dele um dos mais importantes alquimistas da história do cinema.

O sucesso de Tubarão consagrou Spielberg em Hollywood e gerou grande expectativa para a cerimônia do Oscar de 1976. O diretor foi acompanhado por uma equipe de TV no dia do anúncio dos concorrentes. Tubarão foi indicado a melhor filme e em outras três categorias: montagem, trilha e som, conquistando as estatuetas nessas. Mas Spielberg ficou fora da lista dos diretores. Era um páreo duro: Milos Forman (Um Estranho no Ninho) —o vencedor (também foi o melhor filme) —, Robert Altman (Nashville), Federico Fellini (Amarcord), Stanley Kubrick (Barry Lyndon) e Sidney Lumet (Um Dia de Cão).

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Nos anos 1970, lançamento de um filme  simultaneamente em diferentes praças era a estratégia dos estúdios para títulos nos quais não se apostava muito, para faturar o possível antes do impacto de eventuais críticas negativas. O Poderoso Chefão (1972) começou a testar um novo modelo, que até então seguia uma escala de praças maiores, médias e menores, o que gerava expectativa e mantinha o filme em cartaz por mais tempo. O longa de Coppola foi lançado em 409 salas. Tubarão repetiu essa marca, com uma inovação: a publicidade agressiva. Entre outras iniciativas para promover o filme de Spielberg, a Universal investiu US$ 700 mil, uma fábula à época, em spots de 30 segundos no horário nobre da televisão.

Steven Spielberg forma com o compositor John Williams uma das mais afinadas e longevas parcerias da história do cinema. Eles começaram a trabalhar juntos no primeiro projeto do diretor para a tela grande, Louca Escapada (1974). Quando Williams apresentou a Spielberg seu conceito minimalista para a trilha sonora de Tubarão, sustentada por apenas duas notas graves, o cineasta não se empolgou muito. Mas, ao explicar e demonstrar o efeito de suspense que a modulação das notas em diferentes velocidades provocava, Spielberg comprendeu a proposta. O efeito apavorante dos acordes sobre o público na sala escura, antevendo o perigo iminente, provou que o compositor estava certo. Williams ganhou o Oscar pela trilha — indicado a melhor filme, Tubarão levou também as estatuetas de montagem e som.

Se hoje o mercado internacional é prioritário para Hollywood, nos anos 1970 os EUA correspondiam a 85% do faturamento das grandes produções. Com a natural espera, Tubarão aportou em Porto Alegre no dia 25 de dezembro de 1975, sob grande expectativa do público pelo já fênomeno de bilheteria – arrecadou nos EUA US$ 129 milhões. A reportagem de ZH no dia do Natal aprentava Spielberg como "um dos mais promissores cineastas da novíssima geração do cinema norte-americano". Filas enormes se formaram para lotar as duas salas que receberam a novidade: o Victória e o Cacique, ambas no Centro. Do Rio de Janeiro chegou a notícia de uma multidão invadindo o Cine Condor, apesar do reforço policial pedido pela gerência. Um peculiaridade foi identificada na plateia brasileira: a torcida pela vitória do tubarão contra seus perseguidores.

Tubarões na costa do Rio Grande Sul? Nem pensar! Quando muito, a gente brincava com alguns peixinhos – a poluição da água ainda não existia – que vinham dar mordidinhas nos nossos pés. Havia era o perigo real das mães d’água, cujos fios, quando se grudavam na nossa pele, queimavam para valer.Apesar disso, o Tubarão de Spielberg nos fez tremer na cadeira do cinema. Quer pela música provocadora — e hitchcockiana — de John Williams, quer pela perfeição do monstro marítimo, que comia – vejam que mau gosto – uma bela moça de biquíni. Assisti ao filme no antigo Cine Victória. Mas tubarão para valer, até hoje, e graças a Netuno, nunca vi por aqui.

*Crítico de cinema, trabalhava em ZH à época da estreia de Tubarão


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