RS GRISALHO
Estado vive acelerado processo de envelhecimento. Em 2030, uma em cada quatro pessoas terá mais de 60 anos
O Rio Grande do Sul está ficando grisalho e as rugas começam a se acentuar em ritmo acelerado. O envelhecimento da população mostra algo a ser comemorado — vivemos mais — ao mesmo tempo que aponta um problema — não estamos preparados para entrar na terceira idade. Atualmente, o número de idosos equivale a 15,65% dos habitantes. Em 15 anos, vai saltar para 24,27%, patamar igual ao da Áustria hoje, aponta levantamento realizado pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), a pedido de Zero Hora.
O que impressiona especialistas é a velocidade da mudança. Até 2030, todo o Brasil vai passar por uma transformação que levou 115 anos para se consolidar na França. O Rio Grande do Sul é o Estado onde este processo se dá de forma mais acelerada.
A evolução abrupta da idade média dos habitantes vai exigir, muito em breve, mais investimento na área de saúde, gerada pelo aumento na procura por serviços médicos, e gastos mais elevados com previdência — em um país e Estado que já enfrentam hoje uma grave crise nas contas públicas. Mas não é só isso. Exigirá ainda modificações no planejamento urbano dos municípios, que passarão a conviver com um número cada vez maior de idosos, e também no sistema educacional, já que será preciso ter trabalhadores mais instruídos, capazes de gerar mais renda e fazer frente ao número menor de contribuintes.
É uma realidade já vivida por 36 pequenos municípios gaúchos, que têm 25% ou mais dos habitantes acima de 60 anos. A projeção é que nos próximos 15 anos serão centenas de cidades com menos poluição e violência, mas sob risco de grave estagnação econômica e habitantes com renda média.
Uma diferença importante quando comparado com o cenário vivido na Europa e no Japão. Lá, a renda, em média, é bem mais alta. É como se tivessem guardado dinheiro para usufruir da aposentadoria e os brasileiros, envelhecido sem ter tido tempo de fazer toda a poupança necessária.
— Muitos se preocupam com o excesso de população no mundo atual, mas está na hora de começarmos a nos preocupar com a escassez de pessoas. Há uma tendência global de menor fecundidade, principalmente nos países mais populosos. Na China, a fecundidade já é patética e, na Índia, que ainda cresce mais, está diminuindo — afirma o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) José Alberto Magno de Carvalho, que já foi presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais e da International Union for Scientific Study of the Population, a associação internacional mais importante em demografia.
A quantidade menor de pessoas em idade ativa, alertam pesquisadores, pode condenar o país — e o Rio Grande do Sul — a permanecer com renda muito abaixo da alcançada em economias desenvolvidas. A experiência vivida em três pequenas localidades, Coqueiro Baixo, Coronel Pilar e Santa Tereza, com os maiores percentuais de idosos no Estado, aponta alguns desafios à frente e ensina lições que podem ajudar outras cidades a se preparar para os efeitos do envelhecimento. Esses municípios no Vale do Taquari e na Serra amplificam características já percebidas no Rio Grande do Sul em menor escala: as pessoas vivem mais, graças à melhor condição de vida, as mulheres têm cada vez menos filhos e os jovens migram em busca de emprego.
"O envelhecimento muda o perfil das políticas públicas necessárias para o país."
Sabino da Silva Porto Junior, professor de Economia da UFRGS
Em Santa Tereza, Roberto Michelon, 69 anos, Nelcy Vignatti, 77, e Arlindo Stringhinni, 68, contam que há tranquilidade, abalada na semana passada por um assalto com refém, mas a evasão de jovens preocupa. Em Coqueiro Baixo, um terço da população já tem 60 anos ou mais. No local de 1.537 habitantes, é possível encontrar um lugar tranquilo para viver. Mas enfrenta entrave econômico que pode colocar em xeque a qualidade de vida alcançada. O município, que tem a agropecuária como motor, vê a arrecadação diminuir em meio à crise e, principalmente, com a saída dos moradores mais novos e a aposentadoria dos mais antigos.
Terezinha Salvi Scartezini, 68, presenciou a partida das gerações mais novas. Nascida na área rural do município, teve oito filhos. Nenhum deles vive hoje em Coqueiro Baixo. Quatro estão Portugal, onde atuam no ramo de restaurantes, e quatro se mudaram para Porto Alegre.
Após décadas atuando na área rural, Terezinha e o marido estão aposentados e se mudaram para o centro do povoado, em busca de mais estrutura.
— Era uma vida muito difícil. A gente acordava e ia para roça, tirava leite das vacas, corria em casa para fazer o almoço e voltava para roça. Agora que tenho mais tempo livre estou realizando um sonho antigo, aprender a tocar gaita — diz, orgulhosa.
Para Ana Amélia Camarano, técnica de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e doutora em demografia pela London School of Economics, a única saída para evitar o rápido envelhecimento da população e a queda no número de habitantes seria um aumento da taxa de fecundidade por meio de políticas públicas, ação que o Brasil já deveria estar fazendo:
— Um menor número de filhos leva a outro fenômeno que vamos viver em breve, a queda na população. No Brasil, a partir de 2035, no Rio Grande do Sul, 2029. Quem vai sustentar esse contingente grande de idosos se a população cair cada vez mais?
Modelo de saúde terá de mudar rápido
O rápido envelhecimento da população vai exigir mudanças profundas no modelo de saúde pública adotado hoje em todo o país. Estimular a formação de mais profissionais especializados em cuidar de idosos, construir asilos públicos e aumentar os gastos em programa de prevenção de doenças crônicas estão entre as prioridades apontadas por especialistas.
Uma necessidade quase imediata será o aumento do percentual do orçamento destinado a cobrir despesas do setor. Por lei, os municípios são obrigados a investir hoje pelo menos 15% de suas receitas na área, mas em cidades onde o índice de idosos é alto, esse percentual já é bem maior. É o caso de Coronel Pilar, na serra gaúcha, onde 31,28% da população tem mais de 60 anos e aplica 22,6% do orçamento em saúde.
Há pelo menos oito anos a administração municipal vem aumentando os valores investidos para atender ao número maior de idosos. Em 2015, o total chegou a R$ 2,26 milhões.
— Conforme as pessoas vão envelhecendo, maior a necessidade de apoio médico. Dos 493 idosos na cidade, 90 (18,2%) têm mais de 80 anos — explica a secretária de saúde, meio ambiente e assistência social de Coronel Pilar, Vanessa Teichmann.
Doutora em Demografia pela London School of Economics e técnica de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Amélia Camarano chama atenção para o fato de que a população que mais cresce no Brasil, e especialmente no Rio Grande do Sul, é a chamada "muito idosa", com mais de 80 anos.
São pessoas como Cecília Magdalena Barbieri Lorenzini, de 82 anos. Viúva há dois anos, a aposentada passa por um tratamento contra um tumor e recusou o convite para ir morar com o filho e os netos em Garibaldi. Decidiu permanecer na residência onde viveu 50 anos com o marido. A companhia diária vem dos amigos que cultivou ao longo da vida e dos profissionais que atendem no posto médico.
— A família, que era a tradicional cuidadora, também passa por grandes mudanças. Hoje as mulheres participam ativamente do mercado de trabalho e cresce o número de pessoas que não casam ou optam por não ter filhos. Ao mesmo tempo que cresce a população que precisa de cuidados, diminui a quantidade de pessoas que pode oferecer apoio — explica Ana Amélia.
Em Coqueiro Baixo, a prefeitura promoveu no ano passado um curso gratuito de cuidadores de idosos para os moradores da comunidade para tentar minimizar um problema cada vez mais comum na região: o número de idosos debilitados que moram sozinhos nas propriedades rurais, conta a assistente social Glaer Cristina Giongo.
— Dificilmente o filho que está estabelecido em outra cidade volta para cuidar dos pais, e não temos asilo público e nem filantrópico — resume.
O problema enfrentado em Coqueiro Baixo é vivido também pelos outros 35 municípios no Rio Grande do Sul com percentual de idosos acima de 25%. Nenhum deles conta com residências de longa permanência para a terceira idade. Uma realidade para 71% dos municípios no país, segundo o Ipea.
O olhar da exceção
Da sacada da residência onde mora, no interior de Coronel Pilar, o agricultor Valdemar Vicente Foppa, 73 anos, consegue enxergar a casa de pelo menos sete vizinhos que conhece desde a juventude. Cinco delas estão fechadas após a ida dos moradores para Garibaldi em busca de melhores condições de vida. Outras duas são habitadas por idosos. Os filhos também seguiram para o município vizinho.
Valdemar é exceção na comunidade. Ainda conta com a companhia do filho para tocar o negócio da família. Mas admite ter dúvidas se o neto mais velho, de 16 anos, vai querer continuar a trabalhar com a produção de uva.
Faltam "creches" para idosos
Ao contrário do que ocorre em países como Noruega e Dinamarca, que enfrentam desafios parecidos de envelhecimento populacional, no Brasil não existem instituições para quem precisa de ajuda para atividades diárias, como tomar banho e se vestir, o equivalente a uma “creche”, onde a família possa buscar o idoso ao fim do dia.
Em vez de serem considerados instituições de saúde, no país os asilos têm caráter assistencial, abrigando basicamente quem não tem moradia e renda. Têm o estigma de “depósitos de velhos”.
O baixo número de geriatras também preocupa. A quantidade de especialistas no assunto não acompanhou o crescimento exponencial de médicos no país nos últimos 50 anos.
De acordo com o relatório Demografia Médica no Brasil 2015, organizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), são 1.405 geriatras no país. Um para cada 5 mil idosos, enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que seja 1 para cada 1 mil. No Rio Grande do Sul, apenas 0,4% dos profissionais formados escolhem a geriatria como especialidade médica.
Escassez de geriatras
No Estado, o número de pediatras é 25 vezes o de geriatras. A disparidade ocorre por próprio estímulo do sistema educacional, explica Newton Terra, geriatra e diretor do Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS:
— O número de vagas em residências é muito menor na área de geriatria. E quem libera as bolsas é o próprio Ministério da Educação. Falta incentivo para os jovens recém-formados buscarem formação na área, e não só na Medicina, como em outros cursos.
Apenas três universidades no país, duas em São Paulo, entre elas a USP, e uma em Santa Catarina, oferecem o curso de graduação em gerontologia, dedicado a estudar os aspectos da terceira idade. Nenhum deles regulamentado pelo ministério.
— Precisamos cada vez mais de gente especializada, porque estaremos mais propensos às doenças que chegam com a idade. A aterosclerose é um exemplo. Pode ser evitada com redução de estresse, colesterol e obesidade, mas é preciso de profissionais e campanhas que estimulem a prevenção — afirma Terra.
"Corremos o risco de ficar com a população mais velha, que não migra mais, e com jovens sem muita educação para dar conta da necessidade de aumentar a produtividade."
Sabino da Silva Porto, professor de Economia da UFRGS
O desafio de reter e atrair jovens
Além da expectativa de vida elevada e das baixas taxas de fecundidade, pequenos municípios gaúchos com alto percentual de idosos têm uma outra característica em comum: estão longe das principais rotas de ligação entre as regiões mais fortes economicamente no Estado. A localização não tão favorável se transforma em dificuldade extra na hora de atrair empresas. O resultado é a saída expressiva de jovens, que migram para cidades maiores, como Garibaldi, Bento Gonçalves e Caxias do Sul, em busca de melhores empregos.
O movimento, no entanto, não se resume a pequenas localidades gaúchas. Anualmente, dezenas de milhares saem do Estado, em uma quantidade que chama a atenção de pesquisadores, principalmente pelo perfil daqueles que vão embora: os mais escolarizados.
— A economia do Rio Grande do Sul não está conseguindo segurar a população qualificada. Temos jovens bem educados, mas que constroem carreiras fora do Estado. Corremos o risco de ficar com a população mais velha, que não migra mais, e com jovens sem muita educação para dar conta da necessidade de aumentar a produtividade. Precisamos criar mecanismos para reter jovens talentosos — explica Sabino da Silva Porto Junior, professor de Economia da UFRGS.
A região Noroeste é a que mais tem perdido jovens nos últimos anos, principalmente para vizinha Santa Catarina. Ao mesmo tempo, o Rio Grande do Sul é o Estado que menos recebe pessoas de fora, lembra Pedro Tonon Zuanazzi, pesquisador da FEE.
Com dificuldade de trazer empreendimentos de fora para a cidade, em Santa Tereza, na serra gaúcha, município de 1,6 mil habitantes onde 70% da população vive na zona rural e está entre os três com maior taxa de idosos no Estado, a aposta tem sido incentivar a diversificação de culturas entre os produtores da própria localidade para espantar da inércia econômica que tem levado os filhos dos produtores para longe. Uma série de leis foram editadas pelo município para tentar acabar com a dependência econômica do produto mais comum na região, a uva.
— Passamos a dar incentivos para construção de aviários, pocilgas, agroindústrias e de estufas. Há alguns anos, a produção de uva era 90% da economia, hoje é 50% — conta o prefeito Diogo Segabinazzi Siqueira (PSDB).
Com 36 anos, Siqueira é uma exceção entre os prefeitos de municípios com alto percentual de idosos. No final do segundo mandato, assumiu a prefeitura com apenas 29 anos. Vindo para trabalhar como dentista na cidade, precisou aprender sobre a economia local para comandar a gestão municipal. Hoje fala com propriedade sobre tecnologia no agronegócio e dá conselhos de investimentos para os agricultores.
— Conseguimos trazer alguns jovens de volta, mas não chega a 10% daqueles que saíram — admite, ao mesmo tempo em que lembra que vários preferiram ficar no município em vez de migrar.
Parreirais de Fernando dividem espaço com aviário
Na propriedade rural de Fernando Dalmas Bochi, as parreiras agora dividem espaço com um grande aviário. Construído com incentivo da prefeitura para diversificar a produção, o negócio deu certo, e o plano agora é levantar uma segunda estrutura ainda este ano.
Hoje com 35 anos, o agricultor passou 10 anos trabalhando no comércio de Bento Gonçalves antes de decidir retornar ao município e investir na produção de uvas da família. Quando viu que os parreirais estavam sobrecarregados, decidiu apostar na produção de aves.
A obra contou com apoio da gestão municipal, que forneceu o uso de retroescavadeira, motoniveladora e caminhão para construção do viveiro, além de auxílio na aquisição de material de construção, subsídio para extensão da energia elétrica e isenção do pagamento da taxa de água.
— Estou muito feliz com o resultado. A maior dificuldade hoje é encontrar mão de obra na cidade. Acaba saindo mais caro porque somos obrigados a trazer gente de outras localidades, o que aumenta nosso custo de produção — conta Fernando.
João Paulo vai produzir vinagre balsâmico
As roupas escuras, a barba cerrada e o brinco de argola nas duas orelhas podem até deixar João Paulo Berra parecido com um dos tantos jovens adultos que vivem em grandes centros urbanos, mas não se engane: trata-se do típico rapaz nascido em uma das comunidades italianas na serra gaúcha.
Fã de heavy metal, João Paulo não se diferencia dos jovens da região apenas pelo gosto musical. Enquanto a maioria saiu de Santa Tereza atrás de melhores oportunidades e não retornou, o enólogo de 24 anos foi a Bento Gonçalves em busca de formação e decidiu voltar à cidade para abrir o próprio negócio com o apoio da família. Nos próximos meses, vai abrir uma agroindústria de pequeno porte para elaboração de vinagre balsâmico, inspirado no produto fabricado em Módena, no norte da Itália.
— Faz 70 anos que a minha família cultiva uvas. Desde meu bisavô, sempre trabalhamos com isso. Mas industrializando o produto, agregamos valor, o retorno é maior — explica.
Entre a ideia inicial e a decisão de finalmente retornar ao município foi cerca de um ano planejando, conta João Paulo. Foi o tempo necessário para estruturar o projeto, conseguir apoio da prefeitura, assistência técnica da Emater e subsídio para compras de máquinas.
— Agora só alguns detalhes de documentação e logo já estaremos produzindo — avisa, empolgado.
Marcelo protege os tomates do mau tempo
Anos atrás, depois de perder várias safras de tomate por causa das intempéries do tempo, Marcelo Bielski, 32 anos, estava decidido a ir embora e abandonar a propriedade onde nasceu e que tinha sido sustento dos pais e dos avós por décadas. Desencantado, iria seguir o caminho trilhado por 17 dos 20 colegas que tinha na escola: ir para uma cidade maior trabalhar em alguma fábrica.
Mas em uma conversa com o prefeito surgiu o acordo de montar estufas para abrigar a produção de tomates. A prefeitura entrou com pagamento de metade do custo da obra, fez a terraplanagem do terreno e deu isenção da taxa de licença ambiental. Tudo com a condição da prestação de contas dos gastos pelo agricultor e do percentual mínimo de aumento de 10% na produção, sob pena da devolução do dinheiro. Hoje já são 10 unidades e 12 mil vasos protegidos da chuva e do calor excessivo.
— Agora consigo duas safras por ano. Como minha plantação fica em um terreno mais baixo do que os outros produtores da região, os tomates amadurecem antes e consigo um preço bom — relata Bielski, que também cultiva pimentão, berinjela, pepino e feijão de vagem.
DETALHE ZH
As cidades com maior percentual de idosos estão concentradas no Vale do Alto Taquari e na Serra. Só Porto Vera Cruz, na divisa com a Argentina destoa do quadro. Já entre os municípios com menor percentual, nove entre 10 estão na Grande Porto Alegre. Fica de fora Candiota, na região da Campanha.
Ao mesmo tempo que o envelhecimento rápido da população aumenta o número de aposentados, cai ano a ano a quantidade de pessoas em idade ativa, que contribuem para sustentar o sistema da Previdência. Como cobrir a diferença será a pergunta que deverá ser respondida pelos gestores públicos à frente de uma sociedade cada vez mais velha.
Com menor número de contribuintes, a projeção é que o rombo ganhe escalas sem precedentes. As reformas de 1999 e 2003 conseguiram frear a expansão dos custos com aposentadorias. Mesmo assim, a expectativa é de que as despesas com aposentadorias devem chegar a 22,4% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2050.
A projeção de déficit na Previdência em 2015 foi de R$ 88,9 bilhões no país e de R$ 8 bilhões no Rio Grande do Sul.
— Toda vez que há um déficit na Previdência, o governo está retirando dinheiro que seria destinado a investimentos, para melhorias, para cobrir o buraco. O envelhecimento precoce faz com que o Brasil caia em uma espécie de armadilha da pobreza — afirma Sabino da Silva Porto Junior, professor de Economia da UFRGS.
O economista explica que a drenagem de recursos que seriam investidos em obras de infraestrutura para pagar aposentadorias, além de impactar nas contas públicas, diminui a capacidade de crescimento do país. O resultado é uma arrecadação menor ao mesmo tempo que cresce a demanda por serviços públicos em uma sociedade com mais idosos.
Difíceis soluções para a Previdência
Uma saída — com desgaste político — para a Previdência seria seguir o modelo adotado por alguns países europeus e aumentar a idade mínima de aposentadoria para garantir mais tempo de contribuição do trabalhador e diminuir o de uso do benefício. Seria uma maneira de garantir um acréscimo na receita, já que não se poderá contar mais com o aumento da massa de trabalhadores entrando no mercado de trabalho.
Outra opção, aponta o pesquisador da FEE Pedro Tonon Zuanazzi, seria elevar a produtividade de cada trabalhador. Fazer com que a renda gerada pelo trabalho de cada adulto em idade ativa cresça, gerando maiores contribuições à Previdência. Mas para isso seria necessário aumentar antes a qualidade do ensino nas escolas.
— A diminuição do número de crianças na população, reflexo da queda acentuada nas taxas de fecundidade, abre uma janela de oportunidade: mantido o mesmo percentual do orçamento destinado à educação, o investimento por aluno irá aumentar — afirma Zuanazzi.
A solução é lógica, mas difícil de ser colocada em prática, pondera Porto Junior, que defende uma política educacional pensada a partir da quantidade de alunos entrantes nas escolas:
— Não é simples. O governo de São Paulo tentou recentemente fazer uma reformulação e não conseguiu.
"Se continuarmos com as políticas atuais, sem realocar estudantes, em breve teremos muitas escolas com poucos alunos. Um capital físico enorme instalado e subutilizado."
Sabino da Silva Porto Junior, professor de Economia da UFRGS
"Não há coelho branco para tirar da cartola"
Portugal vem passando nas últimas décadas por uma transformação muito semelhante ao que o Rio Grande do Sul deve enfrentar nos próximos anos. O percentual de idosos subiu expressivamente a partir de 1980 — impulsionado pela baixa taxa de fecundidade e pelo alto índice de emigração de jovens. Luís Capucha, especialista em questões de envelhecimento da população que leciona no Instituto Universitário de Lisboa, avalia que nenhum país está pronto para o impacto dessa tendência mundial.
Portugal passou por um processo rápido de envelhecimento, semelhante ao que o Brasil já começou a enfrentar.
Na verdade, Portugal não passou pelo problema, continua a passar. Em pouco mais de três décadas, passamos de uma das nações mais jovens da Europa para um dos países com maior percentual de idosos no continente. O envelhecimento é uma tendência antiga e que vai se aprofundar ainda mais, impactando principalmente previdência e atendimento à saúde.
Portugal está pronto para esse agravamento?
Não. E, sinceramente, acredito que nenhum país está. Não há coelho branco para tirar da cartola. É um movimento permanente e que traz várias facetas. Antes de tudo é preciso ressaltar: o envelhecimento da população reflete o sucesso de Estado de bem-estar social, aponta a melhoria na qualidade de vida das pessoas ao longo do tempo. E, claro, isso também traz consequências.
Como o poder público tem lidado com essa questão em Portugal?
A resposta tem sido diferente nas últimas décadas conforme a visão ideológica de quem está no comando. Governos mais à direita têm estimulado a adoção de previdência privada. Governos mais à esquerda têm apostado no aumento das pensões para suprir problemas de rendimento mínimo.
Elevar o valor das pensões também traz impacto imediato para as contas públicas. É o melhor a ser feito?
Não existe uma resposta certa para essa pergunta. Quando se resolve um problema, surgem outros, e isso é um exemplo disso. Sim, aumentar a renda dos idosos para lhes dar mais dignidade tem custo. Os idosos estão cada vez mais velhos e exigem mais cuidados.
O atual governo (o socialista António Costa assumiu como primeiro-ministro em novembro) tem tomado medidas mais adequadas para enfrentar o problema do envelhecimento acelerado?
O atual governo não está há muito tempo no comando. É difícil fazer uma avaliação precisa. Começou eliminando algumas medidas da gestão anterior, que havia cortado pensões e penalizado muitos idosos. Um país que penaliza os mais jovens e os mais idosos não tem futuro.
Mas isso tem um custo para toda a população. Quem paga a conta
Portugal tem adotado mudanças na fórmula de cálculo de longevidade que torna a previdência sustentável hoje. Se aumentássemos em três anos a idade mínima de aposentadoria (desde 2014 em 66 anos) seria sustentável por mais 50 anos. Precisamos pensar também na redistribuição de renda. Quem ganha mais deveria contribuir com mais. Das 20 maiores empresas portuguesas atualmente, 19 têm sede na Holanda, uma espécie de paraíso fiscal na Europa. Companhias que deveriam estar gerando impostos aqui.
Uma população mais envelhecida também acarreta impactos no mercado de trabalho. Quais foram os mais sentidos?
É uma questão problemática porque, em geral, o mercado valoriza os mais jovens, que custam mais barato e aceitam contratos mais flexíveis. Portugal tem a posição, não muito favorável, de país com mais idosos trabalhando. Mas é preciso observar em que condições isso acontece. O poder público poderia dar incentivo a empresas que contratam — em boas condições — profissionais mais experientes.