Promovido pelo jornal Zero Hora, o projeto traz a Porto Alegre profissionais de atuação reconhecida para debater com jornalistas, professores e estudantes sobre a profissão e o papel da imprensa em uma sociedade livre e democrática.

Diego Japas, jornalista

Editor-chefe digital do jornal La Nacion, de Buenos Aires

Editor-chefe da Redação digital do jornal La Nación, de Buenos Aires, Diogo Japas é o convidado do Em Pauta ZH no dia 30 de maio, às 19h30min. A edição internacional faz parte da série Debates sobre Jornalismo, promovida por Zero Hora na sede do Grupo RBS, em Porto Alegre. Com o tema Estratégias digitais de conteúdo, Japas vai conversar com profissionais e convidados com a mediação do jornalista Marcelo Rech, vice-presidente Editorial do Grupo RBS e presidente do Fórum Mundial de Editores.

Leitores também podem participar. As vagas são limitadas e inscrições são recebidas pelo email eventos@zerohora.com.br

Diego Japas mostra caminho digital percorrido pelo argentino La Nación

Diego Japas é responsável pela equipe de atualização, redes sociais e desenvolvimento de audiências da redação digital. Diego formou-se em Jornalismo pela Universidad Católica Argentina (UCA). Foi redator da revista GENTE da Editora Atlántida (1994-2000), do diario Perfil (1998), editor de conteúdo em AOL Argentina (2000-2005). Em 2005, ingressou em La Nacion como editor de conteúdos especiais na gerência digital. Trabalhou no desenvolvimento dos sites e das revistas do Grupo e formou e liderou a equipe de Branded Content da empresa. É co-autor do livro “Periodismo disruptivo” (La Crujía Ediciones, 2015).

Mônica Bergamo, jornalista

25 de abril

Em um bate-papo com Rosane de Oliveira, a colunista da Folha de S. Paulo falou sobre a sua experiência no jornalismo, opinião e informação exclusiva  

Mônica Bergamo fala sobre os bastidores de sua coluna

A jornalista assina coluna da página 2 da Ilustrada, da Folha de S.Paulo, com informações sobre os bastidores do poder, da moda e das celebridades. Ela é repórter especial do jornal desde abril de 1999 e tornou-se colunista a partir de 2000. Eclética e incansável, a jornalista é uma das mais bem informadas do Brasil.

Entre seus trabalhos, destaca-se a cobertura, em agosto de 1995, em Rondônia, do “caso Corumbiara”, que resultou na morte de 12 pessoas quando centenas de sem-terra ocuparam uma fazenda na área rural de Corumbiara-RO. É formada pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e já trabalhou nas revistas Playboy e Veja.

João Moreira Salles

Documentarista e editor

Documentarista e editor da Revista Piauí, João Moreira Salles é o convidado do Em Pauta ZH realizado no dia 17 de janeiro, às 19h30min. A edição abre a série Debates sobre Jornalismo de 2017, na sede do Grupo RBS, em Porto Alegre. Editor de uma das publicações mais prestigiadas do país, que aborda assuntos de interesse geral e temas literários, Salles vai conversar com profissionais convidados com a mediação da jornalista Cláudia Laitano.

Veja como foi o evento em Porto Alegre

João é fundador da Piauí, revista de circulação nacional, ao lado dos jornalistas Mario Sergio Conti, Dorrit Harazim e Marcos Sá Corrêa, desde outubro de 2006.

Começou a carreira em 1985 fazendo roteiro e texto para a série de programas “Japão, uma Viagem no Tempo” co-produzido pela Rede Manchete.

Sócio-fundador da Videofilmes, mora no Rio de Janeiro. Atuou nos documentários Santiago (2007),Entreatos (2004), Nelson Freire (2003), O Vale e Santa Cruz(2000), Notícias de uma guerra particular (1999), Futebol (1998), Jorge Amado (1994), América (1989) e Krajberg e China (1987).

Por “China, o Império do Centro”, recebeu Prêmio Especial da Associação Paulista de Críticos de Arte e Prêmio de Melhor Reportagem de Televisão da Associação Brasileira de Crítica Literária. Ainda em 87 faz roteiro e texto de “Krajcberg, o Poeta dos Vestígios”, pelo qual recebeu os prêmios de melhor documentário de pesquisa do Festival dei Popoli (Florença, Itália), melhor documentário do Festival Internacional do Novo Cinema Latino-americano de Havana (Cuba), Tucano de Ouro como melhor programa de TV do Rio de Janeiro no V Fest-Rio (Brasil).

Em 1989 dirige o documentário “América”, série de 5 programas sobre a cultura americana, gravado nos EUA e considerado pela crítica como uma das melhores produções da TV Brasileira. Também em 1989 dirige um documentário “Poesia é uma ou duas linhas e por trás uma imensa paisagem” sobre a poetisa Ana Cristina César, Grande Prêmio do Festival Internacional Fotoptica.

Em 1990, o especial sobre música negra americana, “Blues” levou o Prêmio Especial do Júri no Festival Internacional du Film D’Art - Centro Georges Pompidou (Beaubourg), Paris.

Na publicidade

Salles dedica-se à publicidade, de 1991 a 1996, ganhando por três anos consecutivos o prêmio de direção da Melhor Campanha do Ano, pelo Profissionais do Ano, Rede Globo. Em 1995, recebeu o Prêmio de Melhor Diretor com a campanha “Bráulio” para o Ministério da Saúde.

Internacional

“Jorge Amado”, documentário de 1 hora sobre a questão racial no Brasil, a partir da obra do escritor Jorge Amado tem co-produção com a Cameras Continentales (França) e é exibido no canal francês “France 3” e no GNT (Globosat/Brasil).

A série documental “Futebol”, de 1998, co-dirigida por Arthur Fontes é filmado ao longo de dois anos por todo o Brasil. A série faz um retrato do futebol brasileiro, narrando a vida de atletas em diferentes momentos da carreira: o início, a fama e o anonimato de um jogador. A série de três programas foi indicada como finalista do Emmy Awards’98, na categoria de documentário internacional, além de ter sido selecionado no short list do IDFA, Festival Internacional do Documentário de Amsterdam. Participou também do New York Film Festival, sendo um dos finalistas da América Latina.

Em 1999, João co-dirige em parceria com Kátia Lund Notícias de uma guerra particular, documentário sobre o estado da violência urbana no Brasil. O cenário é o Rio de Janeiro, e os personagens são policiais, traficantes e moradores de favelas que se vêem envolvidos numa guerra diária sem vencedores. O filme ganhou o prêmio de melhor documentário no festival “É tudo verdade”, edição de 2000 em São Paulo, e em 99 ano foi finalista do Emmy Awards e do New York Film Festival.

Em 2000 a Videofilmes lançou a série documental “6 Histórias Brasileiras”, exibida em agosto de 2000 pelo canal GNT. João Moreira Salles co-dirigiu com Marcos Sá Corrêa os episódios “O Vale” (Sobre a devastação da Mata Atlântica no Vale do Paraíba) e “Santa Cruz” (Sobre o nascimento de uma igreja evangélica num subúrbio do Rio de Janeiro).

Em 2002, João lança o documentário de longa-metragem: “Nelson Freire ”, sobre a carreira do pianista brasileiro. Filmado durante turnês do artista na Europa e na Rússia no ano de 2000, o filme flagra Nelson Freire em seus festejados concertos e recitais e na intimidade de ensaios e estudos em casa. O documentário é pontuado pela esplêndida musicalidade de Nelson Freire, reverenciado mundo afora pelo talento que descobriu ainda na infância.

Em novembro de 2004, é lançado o documentário “Entreatos”, dirigido por João Moreira Salles. O filme mostra as cenas mais reservadas da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República em 2002.

O filme revela os bastidores de um momento histórico através de material exclusivo, como conversas privadas, reuniões estratégicas, telefonemas, traslados, gravações de pronunciamentos e programas eleitorais.

Em 2007, é lançado “Santiago”, um documentário dirigido por João Moreira Salles sobre um antigo mordomo de sua família. O filme ganhou prêmio de melhor documentário nos festivais de Alba (Itália, 2007), Du Réel (Paris, 2007) e no Festival de Miami (2008).

Ricardo Gandour, jornalista

Diretor executivo da Rede CBN 

O Em Pauta ZH traz a Porto Alegre Ricardo Gandour. O jornalista e professor da ESPM apresentou no evento o tema da pesquisa que realizou na Columbia Journalism School (EUA: O futuro do Jornalismo pós redes sociais: como a fragmentação digital impacta o novo ambiente de informação. Com mediação da diretora de redação de Zero Hora, Marta Gleich, a 10ª edição do ciclo de debates de ZH recebeu colaboradores do Grupo RBS, professores, estudantes de Jornalismo e convidados.  

Veja como foi o evento

Entrevista: "A antagonização entre velha e nova mídia esvazia a análise e o debate"

Por Fábio Prikladnicki

Para o jornalista Ricardo Gandour, a oposição entre velha e nova mídia é um falso dilema. O que vemos é a coexistência entre formas tradicionais e contemporâneas de comunicação. Mas vivemos tempos de transformações, que exigem outras reflexões e práticas. Nesta entrevista, concedida antes do encontro em Porto Alegre, ele aborda o papel dos meios de comunicação em um ambiente no qual alguns leitores parecem perder de vista as importantes diferenças entre informação e opinião e entre notícia e boato.

O senhor já declarou que o conflito entre a velha mídia e a nova mídia é um falso dilema. Por quê?

Porque as novidades, as novas tecnologias, as novas possibilidades surgem e se adicionam ao ambiente. Tudo o que já era existente e o que aparece de novo seguem em frente convivendo. Essa antagonização entre velha mídia e nova mídia, no meu entender, esvazia uma análise e um debate no sentido de se manter o método jornalístico. As novas coisas surgem para conviver, e não necessariamente em substituição total ao que existia. Elas complementam o ambiente. Então, o que levantei na minha pesquisa e que pretendo detalhar bastante no Em Pauta ZH, é que, nessa transformação do modo de consumir notícias que estamos tendo, o método jornalístico não pode desaparecer.

Os veículos profissionais de comunicação brasileiros estão sabendo aproveitar as oportunidades das mídias digitais?
Acho que estamos em um processo de construção. Ainda não construímos uma narrativa completa, aproveitando as potencialidades das mídias digitais. Ainda pensamos separadamente texto, arte, vídeo, redes sociais. Ainda pensamos muito em como enfeitar as matérias. Vejo espaço para uma integração maior, oferecendo ao nosso leitor, usuário uma experiência mais integrada, mais multissensorial. Sempre fazendo disso uma ferramenta a favor do jornalismo: a favor da precisão, da transparência, de um melhor entendimento do mundo. É para isso que o jornalismo serve.

No meio digital, como se dá o crescimento simultâneo de conceitos aparentemente opostos, como a consolidação de conglomerados jornalísticos e a fragmentação do conteúdo em diferentes meios e plataformas?
Ao mesmo tempo em que a fragmentação é um fenômeno da transformação digital, a consolidação é o resultado de um processo econômico, em que as empresas jornalísticas estão perdendo escala. As pesquisas mostram que há uma tendência a ter os dois polos opostos: ou ter publicações de nicho, especializadas em assuntos, ou grandes conglomerados multiplataforma. Haveria pouco espaço econômico para a empresa média.

Qual o papel dos jornais e outros veículos de informação em uma realidade na qual boatos e rumores circulam tanto quanto notícias, e às vezes circulam mais?
O papel sempre foi de curadoria. O fato é que esse papel ficou dificultado hoje pela avalanche de coisas que as redes sociais distribuem. Os grandes veículos de comunicação perderam o poder que tinham de distribuição. Hoje, a distribuição está sendo dominada pelas redes sociais. São as redes que distribuem a informação, de forma seletiva, com impacto dos algoritmos. Esse é o grande desafio dos veículos de se manter na seleção e na curadoria. E isso vem acontecendo. Em trazer para o leitor, para o usuário a perspectiva de separar o que é informação checada e embasada do que é rumor e opinião sem embasamento.

Alguns leitores não diferenciam notícia e opinião ou não diferenciam notícia e boato. Precisamos de uma reeducação como leitores?
Sempre precisamos ser bem formados para ler e interpretar notícias. Mas essa habilidade se torna ainda mais fundamental agora. Vejo muitos problemas aí. Vejo a necessidade talvez de, no Ensino Médio e certamente nas faculdades, você ter uma disciplina optativa para ajudar as pessoas a entender o universo midiático. Com certeza, estamos tendo uma grande confusão, e muitas gerações podem estar crescendo com uma confusão básica entre informação e opinião, ou seja, não saber distinguir um texto opinativo de um texto informativo. É uma habilidade intelectual.

Qual o papel das políticas públicas e da legislação em um meio digital cuja distribuição de informação está centrada em gigantes como Google e Facebook? Como lidar com estas espécies de monopólios?
Esse é um assunto muito quente, está em aberto no momento. Não há nenhum encaminhamento concreto nesse sentido. Nos EUA, começa uma discussão sobre a predominância do Facebook especificamente como plataforma de distribuição. É difícil fazer alguma afirmação de regulação sem ferir, ou seja, tomando cuidado para não ferir nosso espírito liberal e de liberdade de imprensa, liberdade de expressão. É matéria a ser melhor estudada. Confesso que não tenho uma opinião formada nesse momento. É difícil reivindicar regulação, não faria isso. Mas é preciso estudar. Eu mesmo estou ligado a um grupo de pesquisa em Columbia (Universidade Columbia, nos Estados Unidos) que acabou de ser implantado, chamado Plataformas e Publishers. É um grupo da Escola de Jornalismo de Columbia ao qual fiquei ligado. Vou para lá agora em outubro participar de reuniões. Tenho o compromisso de ir lá a cada três meses e colaboro do Brasil. Esse grupo está exatamente estudando a sua pergunta. Então, espero ter novidades para você aí pela frente.




Ascânio Seleme, jornalista

Diretor de Redação de O Globo

O Em Pauta ZH - Debates sobre Jornalismo abre a programação do segundo semestre com a presença do diretor de Redação de O Globo, Ascânio Seleme. O evento teve mediação da diretora de Redação de ZH, Marta Gleich.

Veja como foi o evento.

Catarinense de 59 anos, Ascânio começou a carreira como repórter no Jornal de Santa Catarina e também trabalhou na TV Cultura catarinense. Passou pela TV Globo, do Rio, e trabalhou na TV Manchete, de Belo Horizonte e Brasília, na revista IstoÉ e no jornal Gazeta Mercantil, nas sucursais de Brasília.

Ascânio chega ao jornal O Globo em 1988, como repórter de economia na Sucursal Brasília. Foi coordenador de Assuntos Nacionais, correspondente em Paris, editor executivo, editor executivo de Produção, depois responsável pela edição de domingo, e mais tarde diretor de redação adjunto. Assumiu o cargo de diretor de redação em agosto de 2011. Em sua trajetória profissional, Ascânio conquistou 3 Prêmios Essos, um prêmio CNT, e outros importantes prêmios de jornalismo.

ENTREVISTA

“É um momento riquíssimo para o jornalismo, mas triste para o país”

Por Larissa Roso

Há dois anos, O Globo alterou processos e fluxos de trabalho, priorizando o ambiente digital. Hoje, o diário carioca prepara uma profunda pesquisa acerca da opinião dos leitores, o que permitirá tomar decisões sobre o futuro das edições impressa e online.

– Vamos adequar o produto ao gosto do leitor, as redações ao tamanho do produto e tomar medidas necessárias para enfrentar o momento de hoje, que aponta para algum claro no fim do túnel. Mas a nossa indústria continua em crise – adianta Ascânio.

Como os jornais impressos podem continuar sendo relevantes?

Essa pergunta é muito difícil. O que os leitores nos disserem vai balizar nossa pauta em relação ao papel. Nossos leitores de papel são mais velhos do que eram há cinco anos. A média de idade sobe. Costumo dizer que jovem só vai começar a ler notícia quando deixar de ser jovenzinho, quando tiver uma conta bancária que ele mesmo precise subsidiar, quando tiver uma família para alimentar, imposto de renda a pagar – aí ele vai precisar de informação para tomar decisões corretas. Esses jovens leitores, que há 10, 15 anos entravam para o mundo de notícias através dos jornais, hoje estão entrando no site. A nossa audiência no site cada vez é mais jovem, e a nossa audiência no papel é cada vez mais velha. Temos que entender até que ponto isso dura e o que precisamos fazer para continuar mantendo o papel relevante. Para nós, é um prazer fazer o jornal. É uma delícia fazer uma primeira página, editar uma página, sabemos o valor que aquela hierarquia tem. Mas o jovem não vê muita importância. Temos que ajudá-lo a entender isso.

Este é um dos momentos mais ricos, em termos de notícia, para se trabalhar como jornalista.

Um dia, publicamos duas primeiras páginas, uma coisa inédita. Tínhamos tanta notícia, tanta notícia, que no pé da primeira página dizia “continua a seguir”. A pessoa virava e tinha outra primeira página, com mais manchete e mais chamadas. Foi um libelo: olha aqui, ó, quanta notícia nós temos, esse é o nosso papel, temos dificuldade de escolher o que te entregar em primeiro lugar. Mas isso é fabuloso. É um momento riquíssimo para o jornalismo, mas triste para o país. São vergonhosos todos os escândalos de tamanha grandeza que vivemos. Quando mudamos o projeto gráfico, em 2012, e tenho na minha sala o jornal, a manchete era “Mensalão desviou US$ 101 milhões”. Cem milhões de dólares foi o balanço do mensalão! Isso não é nada, isso é um Barusco (Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras e delator na Operação Lava-Jato). É chato lidar com isso, é triste lidar com isso, embora seja nossa matéria-prima principal.

Como é o desafio de buscar a isenção nesse momento tão turbulento?

Sofremos ataques bárbaros. Aqui somos atacados pela parcialidade contra o PT. Agora que estamos dando matérias de malfeitos no governo Temer e com seus ministros, ninguém fala nada. Quando a gente dava matéria denunciando o PT, ministros do PT, presidente do PT, tesoureiros do PT, (diziam que) a gente estava fazendo errado, não podia fazer. Me irrita ver pessoas inteligentes que engolem essa história de que a imprensa tem um lado. A imprensa não tem um lado, a imprensa dá notícias boas também, na medida do possível. Mas a maioria dos nossos leitores e da população sabe da correção do nosso trabalho. Sabe que a gente erra, sim, com pesar, e tenta corrigir o mais rápido possível. Com toda a franqueza, cada jornalista d’O Globo, do mais simples repórter até o diretor de Redação, se esforça para fazer o melhor, apurar todos os lados, para não errar. É disso que a gente vive, a nossa credibilidade está nisso.

O que você pensa sobre a atuação da imprensa na cobertura da Operação Lava-Jato?

Excepcional. A Lava-Jato é uma mudança de patamar na história do jornalismo brasileiro. O trabalho do juiz Sergio Moro e daquele grupo do Ministério Público é excepcional. Vivi grandes momentos do jornalismo brasileiro: as Diretas Já, a eleição do Tancredo, o impeachment do Collor, o mensalão. Acho que a gente só tem melhorado.

O papel dos jornalistas foi mais relevante no impeachment de Fernando Collor ou agora?

No impeachment do Collor, a gente trabalhou também como investigadores, tinha mais espaço. Muitas das decisões passaram pela CPI, não pelo Ministério Público, que também estava atuando. Hoje somos mais relatores, contadores das histórias que as investigações oficiais fazem, a gente não investiga tanto. Até porque eles estão sempre um, dois ou três passos na nossa frente. No impeachment do Collor, a gente estava do lado, ajudava na investigação.

Comenta-se que hoje os repórteres estão muito dependentes de vazamentos.

Há uma diferença entre vazamento e divulgação. Há alguns vazamentos, sim, mas a maioria das informações publicadas por nós sobre a Lava-Jato foi de divulgações oficiais de delações. O juiz fecha o processo, põe no site e informa a imprensa. Aí é uma questão de agilidade. Houve vazamentos importantes, que mudaram o rumo, mas aí é do jogo jornalístico. E às vezes o repórter foi lá e conseguiu a informação.

Seminário O futuro do Jornalismo

Especial de Aniversário

Ao comemorar 52 anos, Zero Hora promoveu um Em Pauta ZH especial de Aniversário. O evento, transmitido ao vivo no site do jornal, apresentou quatro painéis sobre jornalismo, com a participação de assinantes, leitores, jornalistas, professores e alunos de Comunicação. O fotojornalismo também ganhou destaque na Exposição que mostrou algumas das melhores imagens publicadas por ZH nos últimos cinco anos.

Veja como foi o evento:

Leia reportagens e assista vídeos sobre os painéis

Confira cada detalhe da programação:

9h05min às 10h - Painel: A relevância do jornalismo para a sociedade

Marta Gleich Diretora de Redação de Zero Hora

Marcelo Rech Vice-presidente Editorial do Grupo RBS e presidente do Fórum Mundial de Editores

Eugênio Bucci Colunista e professor

10h às 11h - Painel: Reportagem especial e investigativa

Humberto Trezzi Repórter especial de Zero Hora

Jonas Campos Repórter da RBS TV

Cid Martins Repórter da Rádio Gaúcha

Carlos Rollsing Repórter de Zero Hora

11h30min às 12h30min – Painel: Informação exclusiva e opinião

Rosane de Oliveira Colunista de Política de ZH e apresentadora da Rádio Gaúcha

Tulio Milman Colunista de Zero Hora e comentarista do Grupo RBS

Marta Sfredo Colunista de Economia de Zero Hora

12h30min às 13h30min – Painel: O futuro do jornalismo é contar histórias  

Marcelo Pasqualoto Canellas Repórter especial da Rede Globo

Letícia Duarte Repórter especial de Zero Hora

Dione Kuhn Mediação

Eliane Brum, repórter, escritora e documentarista

Debate com a jornalista gaúcha abriu a temporada 2016

Uma das mais premiadas jornalistas do país, natural de Ijuí, Eliane Brum trabalhou 11 anos como repórter de ZH e 10 na revista Época. Desde 2010, atua como freelancer. Aos 49 anos, tem se dedicado à internet, com textos para os jornais El País e The Guardian sobre temas polêmicos. Ela abriu a temporada 2016 do Em Pauta ZH – Debates sobre Jornalismo.

Leia sobre o evento e assista ao vídeo.

Antes do encontro, a jornalista concedeu entrevista para Zero Hora por e-mail.

ENTREVISTA

“Só tem credibilidade quem investiga, checa e se importa com a precisão"

Por Rodrigo Lopes


A crise política e econômica do país coincide com a preocupação sobre como financiar e manter o jornalismo. Veículos tradicionais estão em xeque, e a imprensa alternativa ganha a confiança momentânea das pessoas, mas não mantém atenção a longo prazo. Como você analisa o jornalismo atual e o futuro?

O jornalismo vive uma crise do modelo de negócios há vários anos, desde que a internet mudou o mundo e também a forma como as pessoas têm acesso, produzem e se relacionam com a informação. Nas manifestações de junho de 2013, ficou claro que, no Brasil, essa crise da imprensa era também uma crise de credibilidade. Parte da população, em especial os mais jovens, não se sentia representada pelos políticos e partidos tradicionais, mas também não se sentia representada pela mídia tradicional. Iniciativas como Mídia Ninja foram decisivas para que a população tivesse acesso a outras narrativas sobre os protestos, feitas a partir das ruas, já que, em certos momentos, parte dos jornalistas da imprensa tradicional só conseguiu cobrir as manifestações de helicóptero ou do alto dos prédios. A crise política é um momento crucial para o Brasil – e também para a imprensa. Essa dupla crise vivida pela imprensa, a do modelo de negócios e a da credibilidade, ganhou contornos mais visíveis neste momento histórico. A imprensa tem um papel fundamental numa democracia. E a imprensa brasileira, em especial o impresso, que sempre foi relacionado a uma narrativa de maior profundidade, está muito frágil. As redações estão muito menores, com suas equipes reduzidas. As demissões, em geral, atingiram os jornalistas mais experientes, que seriam imprescindíveis neste momento, porque entendem sua responsabilidade, assim como as armadilhas que precisam evitar cair num momento tão delicado, com tantas pressões e cascas de banana pelo caminho. São também estes que seriam mais capazes de fazer a resistência internamente, já que toda redação é um campo de conflitos. Essas ausências e essa fragilidade se fazem sentir claramente neste momento em que o tempo no Brasil está acelerado. Dias atrás, escrevi um artigo para o jornal britânico The Guardian e explicava que, no Brasil, uma pessoa assistia à posse do Lula como ministro, ia ao banheiro e, ao voltar, a nomeação já tinha sido cassada por um juiz de primeira instância. Como fazer bom jornalismo diante desta velocidade? Cabe à imprensa contextualizar, com responsabilidade e sem histeria, o que está acontecendo. Cabe, especialmente, fazer reportagem, seu grande diferencial como narradora da história em movimento. Há pouca reportagem de fato na cobertura da crise e da Operação Lava-Jato. Há mais o que autores como o jornalista Solano Nascimento chamam de ¿jornalismo sobre investigações¿, muito diferente de ¿jornalismo de investigação¿. A imprensa se baseia no que é vazado pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pelo juiz Sergio Moro. E não em suas próprias investigações, com raras e honrosas exceções. Esse lugar de mera reprodutora do que convém para investigadores vazar ou divulgar, às vezes sem checagem ou crítica, é perigoso: a imprensa fica vulnerável a manipulações. E o leitor corre risco de ser mal informado, com graves consequências para a sociedade. Ao mesmo tempo, com os sites dos jornais precisando ser abastecidos, há muita pressa. E é difícil fazer bom jornalismo com pressa. Assim, também podemos testemunhar alguns jornais e noticiários de TV ¿comprando¿, ou mesmo aderindo a versões, e apresentando-as como verdade. E, pior do que isso, apresentando-as como a verdade inteira. Acho que setores da imprensa brasileira terão que dar muitas explicações para a História sobre o seu papel na atual crise. Ou a imprensa se mostra à altura do momento ou será cobrada por isso no futuro. Junta-se a isso uma crise de credibilidade que só cresce entre parcelas da população e temos um momento muito delicado para o jornalismo. A crise política atual mostra também o quanto é frágil uma democracia sem uma imprensa forte e responsável, consciente do seu papel histórico de documentar a sua época com honestidade.

Como conciliar a produção frenética de informações em tempo real com a necessidade de imersão em reportagens de qualidade?

Para te responder, preciso contextualizar um pouco. Durante o século 20, a imprensa foi a narradora hegemônica do seu tempo. A partir da internet, a imprensa deixou de ter essa posição confortável. A imprensa, desde especialmente a segunda década deste século 21, só será uma narradora importante sobre o seu tempo, sobre o que chamo de história em movimento, se souber valorizar a reportagem, o grande diferencial do jornalismo sobre outras narrativas. Ainda se faz grande reportagem no Brasil. Muito menos do que seria necessário, mas ainda existe. Tanto na imprensa que agora é chamada de ¿tradicional¿ como na ¿alternativa¿. O que me parece que sofreu mais com a crise do modelo de negócios é a cobertura cotidiana. Esta é a tragédia maior da imprensa, e, portanto, da sociedade. A cobertura cotidiana é cada vez mais precária, rasa e fragmentada. Vivemos um momento histórico difícil, duro, mas também fascinante. Mas os Brasis, porque não existe um Brasil só, não estão sendo contados cotidianamente pela imprensa. Há enormes porções descobertas, narrativas que nunca serão escritas, capítulos inteiros perdidos. Acho isso doloroso. Uma catástrofe literalmente silenciosa. Para ficar mais claro, podemos pensar num exemplo. Nenhum veículo cobriu cotidianamente a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, a maior obra do setor elétrico do país. Mais de R$ 30 bilhões em jogo, a maior parte deles vinda do BNDES, e nenhum veículo, grande ou pequeno, cobriu cotidianamente a construção, com suas vastas implicações e violações de direitos. Na ditadura militar, com toda a censura que existia, se cobria melhor a Amazônia do que hoje, na democracia. A hidrelétrica de Tucuruí teve cobertura cotidiana. Belo Monte, não. Houve algumas grandes reportagens, mas não houve cotidiano. E essa ausência da imprensa teve consequências gravíssimas que só agora começam a se tornar mais claras. No que se refere à questão da velocidade, é importante dizer que não cabe à imprensa ocupar o lugar das redes sociais. Cada vez que uma matéria se parece mais com um post no Facebook, o jornalismo despenca mais um degrau rumo à irrelevância. Se não há reportagem, para que imprensa? Meu vizinho faz ótimos posts no Facebook, mas o que ele faz não é jornalismo. O problema é parte da imprensa fazer posts como o meu vizinho e apresentar isso como reportagem. Acho que é um grande erro sacrificar pilares do jornalismo como a investigação, a precisão e a checagem rigorosa para ganhar alguns minutos de vantagem. Que vitória é essa se o que fica é justamente mais e mais irrelevância, que vai custar a história? Como leitora, não leio o mais rápido, eu leio o que tem credibilidade. E só tem credibilidade aquele que sabemos que investiga, checa e se importa com a precisão. Isso vale para a matéria cotidiana, vale para a grande reportagem. Se não se obedece aos critérios do que é jornalismo, é simples: não é jornalismo. Então, não me parece que seja questão apenas da aceleração do tempo, trazida pela internet. O problema é bem maior. É triste que alguns veículos tradicionais estejam enterrando a sua história para competir com posts de redes sociais. A única competição que vale a pena para o jornalismo é a que se dá em torno da qualidade, da profundidade e da credibilidade do conteúdo.

Como financiar o jornalismo sem comprometer algo crucial para a credibilidade da reportagem: a independência e a transparência?

Esta é uma resposta que ainda precisa ser construída. O bom jornalismo custa caro. Reportagem custa caro. É preciso, às vezes, ficar semanas num arquivo, sem nenhum glamour, engolindo pó, para encontrar uma primeira pista para uma investigação. E, às vezes, essas semanas não dão em nada. Assim como é preciso pagar gente experiente que seja capaz de entender para onde olhar, assim como entender o que vê. Repórteres mais velhos, que possam formar a geração seguinte. Essa geração, a que formava a geração seguinte, foi deletada das redações porque custava mais caro. É preciso trazê-la de volta. Há no Brasil vários modelos convivendo, mas ainda não encontramos um modelo que garanta a independência e a total transparência. A maior parte das novas iniciativas tem modelos colaborativos e não lucrativos, como por exemplo A Pública e a Repórter Brasil, agências de reportagem que têm feito um trabalho competente. Nestes casos, as grandes reportagens são financiadas por fundações internacionais. Há também experiências pontuais com crowdfunding (financiamento coletivo via doações do público na internet). Mas esses modelos também têm limites. Acho que a melhor maneira, a mais transparente, a que realmente garantiria independência, seria o financiamento pelo público. Seria preciso formar um leitor que considere importante ter uma imprensa competente e que se disponha a pagar por informação de qualidade e de profundidade. Faço parte dos jornalistas que sonham que a reportagem possa ser paga com um clique. Literalmente um clique, não pode ser mais complicado do que isso. E que esse clique pague o salário do repórter e os custos da próxima reportagem. Por exemplo: uma reportagem ou artigo ou entrevista que tenha 30 mil acessos, o que é totalmente viável, a R$ 1 por acesso. Mas isso ainda precisa ser construído junto com a sociedade, com este novo leitor. O que posso afirmar é que, nesta construção, é preciso resgatar algo fundamental que, em grande parte, se perdeu: a separação Estado-Igreja – ou editorial-comercial. A imprensa precisa ser ¿laica¿. O editorial não pode estar contaminado pelo financiamento. Hoje, em grande parte dos casos, está. Já é bem complicado que esteja contaminado. Tudo fica pior ainda porque nem sempre isso é contado ao leitor. Quando o editorial está contaminado pelo financiamento, a reportagem já fica sob suspeição desde o início. Seja qual for a saída, é preciso que ela garanta a separação Estado-Igreja.

Você publicou seis livros – cinco de não ficção e um romance – e também escreveu crônicas e contos. Como se dá essa transição do jornalismo, que lida com fatos reais, para a ficção?

Costumo descrever a reportagem como um movimento profundo. E bem difícil de fazer, que cobra um preço alto de quem a ela se arrisca. Como se sabe, a reportagem se faz na rua, com os pés enfiados na lama dos acontecimentos. Antes de ir para a rua concreta, porém, é preciso atravessar a rua de si mesmo. É preciso fazer esse movimento profundo que consiste em se desabitar de si para ser habitado pelo mundo do outro – ou pelo mundo que é o outro. Desabitar-se de si no sentido de se despir das suas visões de mundo, de seus preconceitos, de seus julgamentos, de uma determinada forma de ser e de estar no mundo, para se deixar habitar por uma outra experiência. E, depois, empreender o caminho de volta, o que não é nada fácil. Se um repórter não faz este movimento, em vez de escrever sobre um outro escreverá apenas sobre si mesmo. É claro que esse movimento jamais é completo, mas é o que nos leva mais perto da complexidade dessa outra experiência, das tantas verdades, porque nunca há uma só verdade, e também das tantas contradições e nuances. Se um repórter não atravessa a rua de si mesmo, pode ir até o outro lado do mundo e passar um ano lá, que vai voltar escrevendo sobre o que já sabia antes de partir, porque de fato não partiu nem retornou, mas sim permaneceu simbolicamente no mesmo lugar. Já o movimento da ficção é semelhante, mas com o sentido inverso. Na ficção é preciso ter a ousadia de se deixar possuir pelos outros que vivem nas nossas profundezas abissais. Ou, dito de outro modo, se deixar possuir pelos outros de si. Costumo dizer que a ficção é feita no mesmo lugar em que vivem aqueles peixes cegos, fantasmagóricos, que a gente vê nos documentários da National Geographic. Gosto muito de ficção de terror e também de ficção científica. Escrevendo meu romance descobri duas coisas: a primeira é que não há nada mais aterrorizante do que ser possuído por si mesmo. A segunda é que há realidades que só a ficção suporta. Ou há realidades que precisam ser inventadas para serem contadas.

O que dá mais satisfação: reportagem ou ficção?

A reportagem. Não me importo com a felicidade. A felicidade, para mim, diz respeito ao mundo do consumo. Me interesso pela alegria, essa experiência complexa, rara, que diz respeito também à resistência. É quando faço reportagem que tenho alegria. Mesmo quando o que experimento e testemunho é devastador, sinto que estou onde deveria estar. Escutar as pessoas, coisa que um repórter faz com todos os sentidos, me dá profunda alegria. É na rua que eu me sinto em casa.

Em um de seus textos mais recentes, você escreveu que considera a polarização é mais uma falsificação entre tantas neste momento conturbado do país. Por outro lado, assistimos a discussões inflamadas, com pessoas destilando ódio. Como as vozes mais ponderadas podem ser ouvidas em meio a posições tão extremadas?

Como ser ouvido, não sei. Mas acredito que é preciso seguir dizendo. E é preciso seguir dizendo sem gritar. Quem grita não ouve nem quer ouvir. Gritar como forma de se mover no mundo é um ato extremamente autoritário, porque silencia a voz do outro. E, silenciando a voz do outro, mata-se o outro simbolicamente. O espaço público precisa voltar a ser o espaço da alteridade. Precisamos conviver com os diferentes e com as diferenças. Precisamos voltar a nos interessar por ouvir. Precisamos voltar a conversar. Nesse texto que você cita, escrevo que, diante da brutal descrença nos políticos e nos partidos, podemos perceber algo paradoxal: uma vontade feroz de crença. Isso é bem perigoso. Na política, mesmo os crentes precisam ser ateus. Precisamos nos mover na política pela razão, não pela fé. Mover-se pela razão implica escutar e duvidar, do que nos é dado rapidamente a ver e também de nossas certezas. Implica responsabilizar-se pelas próprias escolhas. No caso da imprensa, é preciso voltar a perguntar, voltar a fazer muitas perguntas, e resistir à tentação das conclusões rápidas demais, peremptórias demais. A adesão pela fé, na esfera da política, só nos traz messianismos, tenha o messias a cara que tiver. É mais fácil cultuar um messias, seja ele quem for. Mas somos nós que precisamos achar um jeito de construir um país, o que dá muito mais trabalho. E não vamos conseguir fazer isso gritando. Nem nos colocando como a encarnação do bem – e os que pensam diferente como a encarnação do mal. Precisamos refletir mais sobre um traço da cultura brasileira, um traço que atravessa a nossa história. Somos um país de linchadores. Em vez de justiça, vingança. É fundamental que, neste momento histórico tão delicado, lutemos por justiça e repudiemos a vingança. Do contrário, nada de realmente profundo mudará no Brasil.

Os movimentos feministas têm alcançado maior visibilidade, com campanhas como #meuprimeiroassedio e “Vai ter shortinho sim!”. Mas também crescem as reações conservadoras: o Congresso aprovou projeto que impõe mais restrições ao aborto. Como avalia esse cenário?

Temos vivido tempos extremamente duros. A política que me anima é esta, a de campanhas como #meuprimeiroassedio, assim como movimentos dos estudantes das escolas públicas de São Paulo. Porque isso também é política, é gente fazendo política e ocupando o espaço público politicamente. São um alento, uma prova de que algo se move em meio a esta aparente paralisia. Ao mesmo tempo, temos o Congresso mais conservador desde a redemocratização. E também um Congresso extremamente corrupto. Para este Congresso, em especial para a chamada Bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia), o corpo das mulheres é moeda de chantagem. Milhares de brasileiras, a maioria delas jovens e negras, morrem todos os anos por abortos malfeitos e clandestinos, porque não há interesse em discutir seriamente a descriminalização. Não há interesse porque é preciso manter o aborto como moeda eleitoral e de barganhas. Na prática, como qualquer um que não seja hipócrita sabe, o aborto é liberado no Brasil para quem pode pagar. Só é crime para as mais pobres. E também por isso, porque ¿só¿ mata as mais pobres, a maioria delas negras, é possível manter o aborto como moeda de chantagem. Insisto nisso, porque o aborto é também uma questão de classe e de raça no Brasil. Diz respeito à desigualdade e ao racismo, duas de nossas fraturas maiores. Por isso, precisamos ser muito gratos a essas mulheres mais jovens que estão levando a luta pela autonomia sobre os seus corpos, sobre suas vidas adiante. Elas devolvem a beleza da política que está sendo reduzida e enxovalhada neste Congresso que chantageia com a vida das mulheres.

PARA LER

Primeiro dos seis livros de Eliane, O Avesso da Lenda, refez, 70 anos depois, os 25 mil quilômetros da Coluna Prestes: “Considero minha reportagem fundadora. Foi quando descobri não o Brasil, mas os Brasis”. No seguinte, reuniu textos da série A Vida que Ninguém Vê: “É nela que consigo me definir e me assumir como uma repórter de desacontecimentos”. O Olho da Rua mostra bastidores de suas reportagens, e Uma Duas, seu romance, é uma trama de ódio e afeto entre mãe e filha. A Menina Quebrada traz crônicas e artigos, e meus desacontecimentos revisita suas memórias de infância. Sua reportagem mais premiada é O Povo do Meio, fundamental para a criação da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, no Pará: “Fui a primeira jornalista a chegar até lá num momento em que eles estavam ameaçados de morte pelos grileiros e não eram reconhecidos pelo país oficial”.



PARA VER

Eliane é codiretora e corroteirista de dois documentários. Uma História Severina (2005) acompanha a luta de Severina, uma pernambucana pobre e analfabeta, para interromper a gestação de seu bebê anencéfalo. Gretchen Filme Estrada (2010) narra a última turnê e a primeira campanha política da rainha do rebolado, que, em 2008, candidatou-se à prefeita da Ilha de Itamaracá (PE) pela coligação PPS-PV.

Tim Rogers, editor da Fusion EUA

Uma análise sobre o comportamento da mídia com a internet e novas ferramentas

28 de janeiro de 2016 - Edição especial

Por Caetanno Freitas

Tim Rogers é o tipo de jornalista que não parou no tempo. Editor-sênior da Fusion, empresa resultado da união entre a Univision e ABC, dos Estados Unidos,Tim reconhece que as mídias sociais funcionam como um canhão para alavancar a audiência de qualquer site. Especialmente, diz ele, se você sabe como usá-las a seu favor. Ignorar uma rede, uma nova plataforma em ascensão, é como um tiro no pé.

Foi assim com o Snapchat. Quando Tim Rogers o descobriu, milhões de usuários já dominavam a ferramenta. Depois que a Fusion resolveu apostar no segmento, a audiência disparou. Hoje, segundo Tim, há mais visualizações de mídia no Snapchat do que nos vídeos que são publicados no site da empresa, que tem cerca de 10 milhões de visitantes únicos ao mês.

— Sempre pensei que as mídias deveriam puxar o conteúdo para o site da Fusion. Mas não é assim que funciona. Elas operam sozinhas. Algumas pessoas, simplesmente, nunca vão deixar o Snapchat, por exemplo. Nunca irão buscar conteúdo no site. Então, temos de estar lá. Cada plataforma tem sua própria voz — analisa.

Tim Rogers foi o convidado do primeiro Em Pauta ZH - Debates sobre jornalismo de 2016. O evento, realizado na noite de quinta-feira (28), debateu coberturas internacionais e tendências em jornalismo digital.

Ao colocar as redes sociais como prioridade da Fusion, Tim Rogers espera se aproximar do público jovem norte-americano, que já considera o Facebook uma mídia ultrapassada, uma “coisa de velhos”, diz ele.

Da mesma forma, tenta atrair o público para questões da América Central, onde Tim viveu e trabalhou como repórter e editor por 12 anos. Foi correspondente para veículos como BBC, Time e Miami Herald, além de ter fundado o próprio jornal, na Nicarágua.

— Estamos tentando fazer com que a América Latina se torne interessante para os jovens americanos. Por isso, apostamos mais em assuntos sociais do que políticos.

A Fusion, segundo Tim, oferece uma estrutura capaz de apostar em histórias diferentes, em pautas “malucas”, que podem atrair qualquer perfil de leitor.

— Fazemos histórias que são surpreendentes, que possam continuar repercutindo, sendo compartilhadas ao longo dos meses. A Fusion nos encoraja a fazer pautas diferentes, históricas malucas — afirma.

Mesmo com o forte apelo às redes sociais, Tim dá uma dica aos jornalistas.

— Se você gastar muito tempo lendo os comentários das suas matérias, você vai se jogar da janela — brinca.  





Rodrigo Lopes, jornalista

Os bastidores da cobertura multiplataforma em Paris

8 de dezembro de 2015

Repórter internacional do Grupo RBS e editor de ZH, Rodrigo Lopes contou bastidores da cobertura urgente e em tempo real, como enviado especial a Paris nos atentados de 13 de novembro. Planejamento, logística, fontes, tecnologia, cobertura 24 horas em Zero Hora, Rádio Gaúcha, redes sociais e Periscope.

Veja como foi o evento

Adriana Carranca, colunista e escritora

Debate sobre a cobertura internacional com a colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo

30 de novembro de 2015

Confira como foi o evento clicando neste link.

Adriana Carranca é jornalista e escritora, colunista dos jornais O Globo e Estadão. É autora do infantil Malala, a menina que queria ir para a escola (Companhia das Letrinhas), em que traz às crianças a história da menina paquistanesa Malala Yousafzai, baleada pelo Talibã quando tinha 14 anos por defender a educação de meninas. Para escrever este livro, a autora esteve no Vale do Swat, onde nasceu e cresceu Malala, que se tornou a mais jovem ganhadora do prêmio Nobel da Paz.

Adriana escreve principalmente sobre conflitos, tolerância religiosa e direitos humanos, com olhar especial sobre a condição das mulheres. Suas reportagens foram publicadas por revistas como a americana Foreign Policy e a edição francesa da Slate. Esteve recentemente na Síria, epicentro da maior crise de refugiados de que se tem notícia desde a Segunda Guerra, e Iraque. Cobriu extensamente a guerra no Afeganistão e Paquistão, onde estava quando o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, foi morto em uma operação dos EUA. Mergulhou no universo de países muçulmanos como Irã, Egito e Indonésia e nos territórios palestinos para reportagens especiais. Acompanhou de perto alguns dos conflitos mais sangrentos da África, como as guerras na República Democrática do Congo e no Sudão do Sul.

A jornalista foi correspondente na ONU, em Nova York. Em 2012, passou temporada como pesquisadora convidada do Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo, na Universidade de Oxford. No ano seguinte, integrou o Projeto de Jornalismo Internacional, da Universidade Johns Hopkins, de Washington.

Além de Malala, a menina que queria ir para a escola (Companhia das Letrinhas), Adriana publicou dois livros-reportagens para adultos: O Irã sob o chador (Ed. Globo), finalista do prêmio Jabuti, e O Afeganistão depois do Talibã (Civilização Brasileira). É formada em jornalismo e tem mestrado em Políticas Sociais e Desenvolvimento pela London School of Economics (LSE), como bolsista Chevening.Adriana também tem trabalhos nas áreas de fotografia e documentário. Co-dirigiu E Se For Menina?, filme-documentário sobre adolescentes envolvidas com o crime em São Paulo, personagens que acompanhou por sete anos. Sua exposição fotográfica “Outono em Cabul” circulou pelo Brasil. Uma das imagens foi escolhida pela ONU para integrar a campanha Humanizing Development.

ENTREVISTA

“Às vezes só damos voz a quem tem armas na mão”

Por Luiz Antônio Araujo

Com uma das mais brilhantes trajetórias do jornalismo brasileiro contemporâneo, a repórter, colunista e escritora Adriana Carranca acumula coberturas de impacto – a última delas, em áreas da Síria e do Iraque sob controle curdo, no ano passado – e prêmios – entre os quais o Grande Prêmio Líbero Badaró de Jornalismo, em 2013. Sua obra mais recente, Malala – A Menina que Queria Ir para a Escola, situa-se na confluência entre dois gêneros: livro-reportagem e livro infantil. Repórter especial do jornal O Estado de S.Paulo e colunista do jornal O Globo, Adriana é a última convidada da edição 2015 do ciclo de palestras Em Pauta ZH, nesta segunda-feira, às 19h30min, no Salão Nobre do Grupo RBS (Avenida Erico Verissimo, 400). A seguir, uma síntese da entrevista concedida por Adriana, por telefone, de São Paulo, na segunda-feira.

OPÇÃO PELO JORNALISMO

“O começo foi quase por acaso. Tinha interesses difusos, gostava de muitas coisas. Na época de decidir o vestibular, conheci uma jornalista e percebi que ela tinha conhecimento muito amplo de várias áreas, conversava sobre economia, gastronomia, política e arte. Vi naquilo uma possibilidade de poder navegar por vários assuntos que me interessavam e adiar a escolha da área que me interessava. Gostava de escrever desde pequena, escrevia cartas indignadas ao Paulo Maluf (então governador de São Paulo) cobrando-o sobre corrupção e superfaturamento de obras. Quando criança, testemunhei episódios de violência, como a prisão de um adolescente quando eu tinha seis, sete anos e de uma mulher que aparentemente tinha problemas mentais. Lembro muito disso. Quando comecei a fazer coberturas, na faculdade, me voltei para esses assuntos. Talvez a faculdade tenha me influenciado, porque estudei na Universidade Católica de Santos (Unisantos), onde havia dois projetos muito premiados: o Mural dos Morros e o Jornal da Zona Noroeste. Eram os dois jornais laboratórios da faculdade, o primeiro dedicado à cobertura dos morros, muito usado pela comunidade, e o segundo focado numa área mais isolada dos serviços públicos. A população adorava esses jornais, que eram pregados nos muros e nos pontos de ônibus. Eu morava mais perto da Zona Noroeste, venho de uma família simples. Quando a gente vive as coisas, acaba se interessando naturalmente por assuntos que foram relevantes. Muitos anos depois, soube que um de meus antepassados fundou o primeiro jornal de Lousã (localidade na região central de Portugal). Meu avô era um grande contador de histórias. Ele gostava de viajar, mas, sendo muito pobre, pegava o ônibus circular e ficava dando voltas por Santos. Depois, ele voltava e me contava o que tinha visto pelo caminho. A gente brincava de ônibus: ele sentava no primeiro degrau, eu no terceiro, e ele perguntava: ‘Madame, para onde vamos?’. Cresci com essa memória emotiva de contar histórias.”

REPÓRTER DE ASSUNTOS LOCAIS

“O que eu percebi muito quando comecei a trabalhar na editoria de Cidades (do jornal O Estado de S.Paulo, a partir de 2002) era uma sociedade civil muito viva e motivada. Cobri associações de bairro, ações de lideranças comunitárias. Eu já tinha um olhar para a questão da mulher, e lembro de fazer reportagens sobre líderes comunitárias que faziam o que os políticos tinham prometido. Fiz um perfil sobre Heliópolis, com quatro páginas – eram tempos áureos do jornalismo. (Risos.) Era uma comunidade que tinha seus próprios ídolos, moda, grupos culturais. Também era uma época de muitas rebeliões na Febem, que acompanhei de perto.”


COBRINDO O PLANETA

“Questões internacionais eram muito distantes para mim. Da primeira vez que entrei num avião, tinha 25 anos. Em 2005, achei que tinha de entender melhor a violência, a desigualdade e a injustiça no Brasil. Achava que não conhecia de fato o que estava acontecendo. Ganhei uma bolsa para estudar Políticas Sociais e Desenvolvimento na London School of Economics. Lá é que comecei a ter contato com pessoas do mundo inteiro que trabalhavam com isso: alunos que atuavam na Anistia Internacional, Human Rights Watch, Cruz Vermelha, gente de 20 a mais de 40 anos, alguns já em posição de destaque nas suas organizações. Eram 60 pessoas de 45 países. Era uma turma muito boa, que depois encontrei no Afeganistão, no Irã, no Sudão, no Haiti. Fiquei um ano lá, porque nesse prazo a bolsa era integral e eu me dedicava somente ao curso. Voltei ao Brasil e me reintegrei à editoria de Cidades, mas já com a ideia de me transferir à editoria de Internacional, onde não havia vaga na época. Em 2006, ganhei outra bolsa e fui a Nova York cobrir a Assembleia-Geral da ONU. Em 2007, fui para o Irã, e em 2008, para o Afeganistão. Foi então que fui promovida a repórter especial e me integrei à editoria de Internacional.”

MULHER REPÓRTER

“Eu até estava discutindo isso com a Annick Cojean (repórter francesa que esteve em São Paulo e Porto Alegre). Principalmente em países muçulmanos, quando um homem é destacado para a cobertura, acaba perdendo metade da história, porque a mulher consegue entrar nas casas. Isso é uma vantagem nos países muçulmanos. No Sudão, por exemplo, não me arrisquei a viajar embedded (integrada) com as tropas sudanesas, o que talvez um homem pudesse fazer. No Sudão e no Congo, há um histórico de estupros, e não me senti à vontade para seguir com essas forças. Dependendo do caso, há vantagens e desvantagens de ser mulher. No Paquistão, vi muito isso. Para escrever Malala, vivi com uma família. O motorista que foi comigo não pôde ficar e teve de ir para outra casa, não pôde ficar na mesma instalação das mulheres. Em Gaza, também me hospedei com uma família, mas mais liberais, e o fotógrafo pôde ficar comigo.”

MOSTRAR O OUTRO LADO

“Malala tornou-se o meu trabalho mais marcante, porque é uma história que escrevi para crianças, o que é novo, mas tem as mesmas características de uma reportagem para adultos, com fontes, notas de rodapé, bibliografia. Há nesse trabalho uma mensagem muito forte para as crianças. Há uma narrativa de violência que predomina. Quando se fala do Irã, pensa-se em mulheres oprimidas, num país destruído, isolado e empobrecido por sanções econômicas. O Irã é isso, mas não é só isso. Também tem uma elite intelectual vibrante, a primeira Nobel da Paz iraniana, uma juventude que tenta driblar as regras e produzir, é presa a todo momento e insiste em continuar lutando pacificamente. Às vezes, a gente só dá voz e visibilidade para quem tem uma arma na mão. O problema disso é que se manda um sinal claro de desestímulo para os movimentos pacíficos. É um equívoco pensar que é preciso se ter arma na mão para obter atenção.”

Repórteres da RBS debatem o impacto das reportagens

Entrevista: Ken Doctor, referência mundial em inovação digital

10 de novembro de 2015

Debate com Larissa Roso (Zero Hora), Eduardo Gabardo (Rádio Gaúcha), Carlos Rollsing (Zero Hora), Letícia Duarte (Zero Hora) e Jonas Campos (RBS TV) foi mediado pelo jornalista Marcelo Rech, presidente do Fórum Mundial de Editores e diretor-executivo de Jornalismo do Grupo RBS.

O evento foi acompanhado por estudantes, professores e jornalistas, na sede do Grupo RBS. Também participou do debate o americano Ken Doctor, referência mundial em inovação digital em jornais que está no Brasil para uma imersão com executivos do Grupo RBS em Porto Alegre. Ele concedeu entrevista logo após o evento.

ENTREVISTA - Ken Doctor

“As empresas precisam fazer mais pelos leitores”

Por Cleidi Pereira

Conhecido como guru da indústria jornalística americana, o consultor Ken Doctor acredita que os leitores estão dispostos a pagar por conteúdo de qualidade e que, nos próximos cinco anos, a maior parte da receita dos jornais virá de assinaturas digitais. Para o analista, o trabalho do jornalista ganha ainda mais força neste momento, pois o conteúdo tem hoje vários canais de distribuição. Autor do livro Newsonomics – Doze Novas Tendências que Moldarão as Notícias e o seu Impacto na Economia Mundial, Ken Doctor está nesta semana em Porto Alegre para colaborar com as estratégias digitais do Grupo RBS.

Qual é a importância do papel do jornalista na era digital?

Jornalistas são muito importantes. As pessoas não entendem essa revolução digital, que mudou a forma como obtemos informação. Podemos obtê-la por telefone, TV ou computador, mas o trabalho essencial que um jornalista faz para descobrir coisas sobre a comunidade, às vezes coisas que pessoas no poder não querem que outros saibam, isso não mudou. O poder do jornalismo é maior hoje, comparado com 20 anos atrás, porque as palavras do jornalista podem sair de todas as formas possíveis. Temos de entender que o trabalho do jornalista é tão importante quanto antes, mas mudou a maneira de fazê-lo. Temos a internet para pesquisar e várias formas de distribuir o conteúdo, através do Twitter e Facebook, mas o trabalho é a respeito das mesmas coisas.

Jornais têm investido para aumentar a audiência nas plataformas digitais. Com tanta informação disponível gratuitamente na internet, o que leva o leitor a pagar por conteúdo?

Aprendemos que as pessoas pagarão por conteúdo de alta qualidade, se não conseguirem em outros lugares, de graça. Há cinco anos, as pessoas falavam que todo mundo iria querer, especialmente os jovens, tudo de graça, que eles pensavam que notícias, filmes, TV e músicas deveriam ser de graça. E agora temos Spotify, Netflix e Amazon cobrando, revistas e jornais cobrando. Amadurecemos, crescemos, e agora as pessoas entendem que há informação de alta qualidade. Estamos em um tempo de transição, tentando descobrir quanto vale a pena pagar por esses serviços. Hoje, a principal fonte de informação é via smartphones, e estamos aprendendo que as pessoas pagarão por isso. Nos próximos cinco anos, a maior parte da receita das empresas jornalísticas virá dos leitores (assinaturas digitais).

A boa notícia é que os leitores estão dispostos a pagar para os jornais, e as empresas precisam fazer mais pelos leitores.

O jornal The New York Times atingiu, em julho, depois de quatro anos de paywall (barreira que protege conteúdo pago), a marca de 1 milhão de assinantes digitais. Apesar do avanço, a maior parte do faturamento do jornal ainda tem como origem o impresso. Como equalizar isso?

A equalização está acontecendo, mas em câmera lenta. No The New York Times, hoje, 32% da receita vem da parte digital. Não é metade, mas estamos chegando lá, provavelmente nos próximos três ou cinco anos. Isso não significa que queremos a queda da receita do impresso, porque é importante. Para as empresas sérias, a questão é ter paciência e fazer um bom trabalho. Acho que em 2020 as coisas estarão estáveis novamente.

Como o senhor vê os veículos de comunicação no Brasil?

Entendo que vocês estão tendo uma situação parecida com a que tivemos nos EUA cinco anos atrás, com a recessão e o crescimento da internet. Acho que é um tempo em que temos de pensar a longo prazo e lembrar que a crise passará. O que temos de fazer é focar em conteúdo e anúncios. O importante sobre os anúncios é que todo mundo pode vender alguma coisa, e eles também estão confusos, pois a internet também está mudando a forma de vender. Acho que é bem importante para as empresas modernas de mídia ajudar os anunciantes neste novo mundo.

Sérgio Dávila, editor-executivo do jornal Folha de S.Paulo

"A sobrevivência do jornalismo está na relevância"

28 de outubro de 2015

Por Humberto Trezzi

Jornalismo é lidar todo dia com a contradição — e aceitá-la. E fazer seu leitor entender que o contraditório é salutar, um processo de crescimento numa democracia, mesmo que o momento seja de polarização ideológica. A definição é de Sérgio Dávila, um dos mais experientes jornalistas de um dos maiores jornais do país, a Folha de São Paulo.

Paulistano, 49 anos, Sérgio foi o quarto convidado do projeto Em Pauta ZH - Debates sobre Jornalismo, promovido por Zero Hora na noite de quarta-feira. O tema foi “O desafio da imparcialidade num país polarizado”.

Ex-correspondente em Washington, participante da cobertura dos atentados de 11 de Setembro de 2001 e da Guerra do Iraque, Sérgio é desde 2010 editor-executivo da Folha de São Paulo. Ou seja, é um dos que dá a última palavra sobre o que será publicado. A primeira regra é separar boato de fato — caminho que, para ele, vai garantir a sobrevivência dos jornais, um lugar cativo entre seus leitores, mesmo com a concorrência acirrada das mídias sociais.

O jornalismo moderno se ampara em pesquisas e, ciente disso, a Folha encomendou um levantamento sobre o perfil ideológico dos seus leitores. O resultado, divulgado há poucas semanas, é de que eles são liberais em costumes e também em economia (a favor da livre iniciativa). O curioso é que a pesquisa demonstrou que os leitores estão à direita do jornal, no espectro ideológico. E a média do eleitorado brasileiro, muito à direita da Folha.

O que fazer, nessa ocasião? Aderir à opinião da maioria e publicar o que ela quer, em busca de mais circulação?

Não, rebate Sérgio. Para ele, jornalismo é informação, mas também lucidez, ponderação.

— Não é porque as redes sociais espalham uma porção de coisas que o jornalista tem de segui-las. O Facebook e o Twitter são como grandes condomínios, oferecem ao leitor opiniões semelhantes às tuas, a partir de um algoritmo. São clubes, que só reforçam a opinião que você já tem. Jornalismo é diferente, é oferecer o contraditório, mostrar que opiniões divergentes podem melhorar a sua formação. Mostrar que outros mundos existem — pondera o editor da Folha.

Ele ressalta que a discordância não é só dos leitores em relação à Folha - via de regra, eles estão situados à direita do jornal, ideologicamente. É também interna, no jornal. Os repórteres costumam estar à esquerda das posições da direção. E como então se tenta a isenção? Uma das receitas é a pluralidade de opiniões. A Folha se orgulha de ter 125 colunistas e 60 blogueiros, da extrema-esquerda à direita mais conservadora. Isso ajuda a dar respeitabilidade, o leitor se encontra lá, define Sérgio

ENTREVISTA

“Jornais devem expressar e defender suas opiniões”

Por Carlos André Moreira

Como repórter, Sérgio Dávila construiu reputação como correspondente estrangeiro nos EUA em uma das décadas mais tumultuadas da história recente: acompanhou as eleições de George W. Bush e de Obama, os atentados de 11 de setembro de 2001, e fez parte, com o fotógrafo Juca Varella, da única dupla brasileira a cobrir a invasão americana do Iraque em 2003 – o que valeu a ambos o Prêmio Esso daquele ano. Desde 2010, Dávila, 49 anos, é editor-executivo da Folha de S.Paulo. Neste novo front, agora doméstico, o jornalista identifica um acirramento muito grande da polaridade no debate público, uma ameaça ao bom jornalismo. Confira a entrevista concedida por telefone, de São Paulo:

Sobre que aspecto do jornalismo você pretende falar em Porto Alegre?
Sobre os desafios de ser imparcial em um país polarizado. Talvez como nunca antes na história recente do país, a discussão política e econômica está em clima de “nós” contra “eles”, independentemente
de o interlocutor se considerar “nós” ou “eles”. Isso prejudica o
exercício do bom jornalismo. O jornalismo cresce quando dá espaço
para o contraditório, expõe os diversos pontos de vista, deixa
que lados em discussão tenham o mesmo espaço para se manifestar,
e isso se torna mais difícil em um ambiente em que as pressões
se tornam mais fortes de um lado ou do outro para que você só dê
voz para um lado.

Muita gente discute, não apenas na academia, se a imparcialidade é possível ou um mito jornalístico, dado que o processo de edição já é uma interferência. A imparcialidade é possível?

Acho que talvez seja possível idealmente, mas não na vida real. O jornalista e os jornais não deveriam abrir mão do anseio de alcançar essa imparcialidade. Essa luta para alcançar a imparcialidade já faz com que o material produzido seja o mais próximo possível dela. E não acho que imparcial, equidistante ou plural queira dizer sem opinião. Defendo que os jornais, na sua parte de opinião, a expressem e a defendam, mas na parte informativa, de reportagem, almejem o equilíbrio.

Em setembro, a Folha publicou um editorial no qual afirmava que “a presidente abusou do direito de errar” e que “não lhe restará, caso se dobre sob o peso da crise, senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa”. Quando você fala de um jornal deixar claras suas posições, isso é parte dessa política?

Esse texto foi um editorial de primeira página, de muito impacto. A Folha usa esse recurso muito raramente, quando quer deixar clara a gravidade da opinião que está expressando, e foi isso que aconteceu nesse caso. E foi um texto criticado por vários atores do mundo político, polêmico, mas faz parte dessa política da Folha de deixar suas opiniões claras. E deixar clara também para o leitor a diferença entre o que é opinião e o que é reportagem.

Mas não se cria talvez uma confusão para o leitor, já que tanto a opinião quanto a reportagem estão sendo veiculadas no mesmo veículo e produzidas na mesma redação?

Acho que pode causar, sim. A gente tem que levar em conta o fato de que uma parcela, espero que pequena, do leitorado, possa achar: “Se o jornal pensa isso, como esperar isenção quando ele for cobrir esse assunto?”. É legítimo esperar certa confusão, mas o leitor que está acostumado a ler o jornal há muito tempo começa a perceber, por sinais gráficos, usos de determinada fonte, colocação em uma página ou em determinada seção do site, que há momentos em que o jornal está dando uma opinião e há outros em que está passando informação. Acho que o leitor acostumado tem ferramentas para perceber a diferença. Mas uma parcela de confusão é inevitável. Você tem que usar todos os recursos gráficos e visuais para deixar clara a diferença, e garantir no funcionamento da redação que esses setores não se contaminem. No caso da Folha, do qual posso falar com mais propriedade porque conheço, existe uma editoria de opinião que responde diretamente ao publisher do jornal, Otávio Frias Filho. Então, esse editor de opinião não responde a mim, que sou editor-executivo da redação.

A publicidade na rede se orienta por cliques, e casos recentes, como o da revista americana The New Republic, mostram que o modelo de jornalismo pensado para atrair os cliques na rede pode não ser o mesmo do jornalismo impresso. Como lidar com essa tensão entre as bases do jornalismo e a busca pelo clique?

É uma questão interessante, porque esse novo modelo passa uma nova responsabilidade que o jornalista não tinha antes. Até há 20 anos, a gente escrevia uma reportagem, entregava, era publicada, e você media a repercussão pelo que ouvia na rua, pelas cartas enviadas
à redação ou pelos telefonemas, mas seu trabalho era encerrado no momento em que entregava o texto. Hoje, o jornalista é chamado a participar da distribuição, da circulação do produto que faz. É um cenário novo e curioso. É como se a gente, há 20 anos, fosse chamado pelo departamento de circulação para ajudar a distribuir o jornal no
bairro tal, no semáforo tal. A gente tem que olhar com cuidado esse novo papel.
O jornalista não deve ser o que os americanos chamam de “click whore”, o louco pelo clique, que faz título e lide da reportagem, pensando nos cliques que vai gerar. O norte deve continuar sendo a melhor informação possível da melhor maneira que se conseguiu apurá-la. Mas aí, obviamente, se você conseguir fazer um título mais atraente, um lide mais saboroso, isso acho válido, porque sempre que você fez isso, atraiu mais leitores, só não tinha a resposta tão imediata.

Você falou de polarização, e um dos locais em que ela transparece é nos comentários em sites de notícias. Deve haver moderação? Qual a política do conteúdo da Folha na rede?

A gente começou há cinco anos com uma postura muito liberal. Todo mundo era convidado a escrever, livremente e sem restrição. Aos poucos, a gente foi vendo que esse fórum não funciona dessa maneira, tem de ser regulado. Começamos a impor regras que o comentarista deve seguir, e se eu tivesse que resumi-las, eu diria que as regras estão na Constituição do Brasil, que diz que é livre a manifestação da opinião, vedado o anonimato. Quer exprimir sua opinião, coloca sua cara, seu nome, seu sobrenome e seu endereço, porque é muito fácil xingar os outros sob o manto do anonimato. E além disso a gente toma uma série de outras medidas, como uma lista de termos que levantam uma bandeira para a gente verificar aquele comentário, palavrão, temas polêmicos, que vão acionar uma mediação antes de ir para o ar.

Caco Barcellos, repórter e escritor 

“A imprensa não se importa com a periferia”

16 de setembro de 2015

Caco Barcellos é repórter e apresentador do programa Profissão Repórter da Rede Globo. Trabalhou nos maiores jornais do Brasil e nas revistas IstoÉ e Veja. Recebeu mais de 20 prêmios por reportagens especiais e documentários produzidos para televisão, entre os quais dois prêmios Vladimir Herzog e dois Prêmios Jabuti pelos livros “Rota 66” e “Abusado”. Em 2008, recebeu o Prêmio Especial das Nações Unidas como um dos cinco jornalistas que mais se destacaram, nos últimos 30 anos, na defesa dos direitos humanos no Brasil.

O jornalista falou ao público no Salão Nobre do Grupo RBS, na terceira edição do Em Pauta ZH – Debates sobre Jornalismo. Leia a cobertura do evento.

ENTREVISTA

“A imprensa não se importa com a periferia”

Por Paulo Germano

Um dos rostos mais conhecidos do jornalismo brasileiro, Caco Barcellos é um indignado de fino trato. Não altera a voz mansa – tampouco se irrita com o repórter que diz ouvi-lo muito baixo – e passa meia hora enfileirando críticas à polícia, à imprensa e a uma sociedade que, segundo ele, aplaude a violência policial.

Aos 65 anos, nascido na Vila São José do Murialdo, em Porto Alegre, onde chegou a trabalhar como taxista, Caco conhece como poucos as estratégias policiais para matar gente nas periferias – assunto que abordou em Rota 66 (1992), livro sobre a ação da polícia em São Paulo que lhe rendeu um Prêmio Jabuti de literatura. Hoje ele lidera a equipe de jovens jornalistas do programa Profissão Repórter, exibido pela RBS TV.


O Profissão Repórter mostrou que houve uma espécie de “pré-chacina”, com seis mortos, antes da chacina que matou 19 em Osasco, no dia 13 de agosto. Como chegaram a essa informação?

Pelos familiares das vítimas. Para o povo da periferia de Osasco, não havia dúvida sobre quem comandou a chacina (policiais mascarados). Como sempre ocorre nesses casos, só a polícia não sabia.

Por que a chacina anterior, com seis mortos, não havia sido noticiada antes?
De um modo geral, a imprensa não dá importância a esses casos na periferia. Só tem importância quando há mais de 10 ou 15 vítimas, aí vira notícia. Antes dos seis primeiros mortos, houve mortes idênticas praticadas por mascarados, e o cotidiano de São Paulo é assim desde 1970. Todo dia uma pessoa é vítima das forças do Estado. A imprensa negligencia porque, se ocorre todo dia, não é notícia. Mas, se você ignorar que diariamente a polícia mata um ou dois, no final do mês você ignorou 60 mortos. A polícia de Portugal matou quatro pessoas em 20 anos. Aqui em São Paulo, em um mês a polícia mata 60 pessoas e não é notícia?

Desde Rota 66, seu livro lançado em 1992, você denuncia que a polícia afronta os direitos humanos. Algo mudou nesses 23 anos?
Mudou para pior. Antes só havia uma tropa de elite em São Paulo. Agora, quase todos os Estados têm policiais que brincam de mocinho e bandido. Para alguns, é uma diversão fazer isso; para outros, é uma forma de se valorizar no mercado de segurança privada. Todos eles fazem “bico” e, quando são matadores, o valor no mercado sobe, com mais empresas cobiçando-os para fazer segurança. A verdade é que parte da sociedade apoia e elogia. Não é à toa que os principais matadores foram eleitos com grande quantidade de votos.

Quem, por exemplo?
Identifiquei mais de 40 vítimas de Conte Lopes (deputado estadual por seis mandatos em São Paulo, hoje ele é vereador pelo PTB na capital paulista). O falecido coronel Ubiratan Guimarães, comandante do massacre do Carandiru, foi eleito usando na urna o número 111, que foi o total de detentos mortos. Só existe brutalidade praticada de forma sistemática quando há um ambiente de apoio – e esse ambiente de apoio envolve o chamado “cidadão de bem”. É uma hipocrisia achar que o problema está no policial que aciona o gatilho.

Está em nós mesmos?
Claro. Quem aciona o gatilho é o soldado, mas quem está matando é todo mundo que paga imposto. Porque o policial assassino está cumprindo ordens do Estado. E quem elegeu o governador, que por sua vez escolhe o secretário de Segurança, somos nós. Mesmo que eu não tenha votado no governador eleito, ele é o meu representante. Se o governo dele mata, estou matando junto. É curioso que essa violência só ocorra nas polícias estaduais militares.


Na Polícia Civil não?

Muito raramente, e na Polícia Federal mesmo ainda. Trabalham de maneira eficiente e não matam ninguém. Veja a quantidade de gente presa na Operação Lava-Jato: alguém foi torturado? Qual é a lógica disso? Quem comete um crime que traz prejuízo milionário para a sociedade é tratado pela polícia dentro da lei. Agora, se o acusado é um pobre, aí a execução é considerada legítima.

E há culpa da imprensa nisso?
Na imprensa, o rico que vai preso sempre é chamado por sua profissão: lobista, empresário, deputado. Já o indivíduo de baixa renda nunca é chamado pela profissão, é apenas bandido. Já notou isso? Pequenos comportamentos da imprensa e do sistema judiciário acabam legitimando a ação desses maus policiais.

Como você consegue, com um rosto tão conhecido, fazer tanta reportagem na rua?
Lugar de repórter é na rua. Se deixa de ir para a rua, deixa de ser repórter. A gente pouco frequenta gabinetes, pouco ouve especialistas, porque o que há de mais instigante está na rua. Tenho um rosto conhecido, mas na periferia ouço muito: “Lá vem aquele bando de repórter que entra na casa da gente”. Acho isso maravilhoso. Eles sabem que nós gostamos de gente. E naturalmente eles gostam de nós. Outro dia meu filho falou brincando que, quando eu morrer, meu enterro estará cheio de mendigos, prostitutas, craqueiros e pedintes (risos).

Como foi cobrir os protestos de junho de 2013, nos quais havia uma grande rejeição à Globo?
Para muita gente entre os manifestantes, aquela era a primeira vez em que estavam na rua protestando. Me pareceu relativamente natural que houvesse tumultos, já que as pessoas estavam aprendendo a fazer política na rua. Havia uma forte resistência, de fato, e em determinado momento eu disse: “Quem bate em trabalhador é de extrema-direita. A história do Brasil nos mostra isso. Vocês são de extrema-direita? É que já estou tentando identificar quais são os grupos aqui”. E, aos poucos, foram nos deixando trabalhar.

Todas as pesquisas mostram que o celular tornou-se a tela mais vista e que a audiência da TV está caindo. Como o jornalismo deve lidar com isso?
Isso é relativo. Há quem diga que é o contrário, que a audiência da TV vem aumentando, já que as redes sociais e uma série de plataformas reproduzem o trabalho das emissoras. Tem muita gente assistindo ao meu programa pelo computador e, ao meu ver, a conjuntura atual é muito favorável para quem produz conteúdo. O jornalismo profissional é cada vez mais necessário para colocar ordem nas coisas, para ajudar as pessoas a selecionar as informações que vão consumir. E o repórter, especialmente, é fundamental.

Por quê?
Porque hoje todos têm opinião. E, para alguém opinar com o mínimo de embasamento, a informação precisa estar correta. Admiro muito o jornalismo de opinião, mas, se o jornalista opinativo estiver mal informado porque o repórter descumpriu o papel dele – que é informar corretamente –, a opinião não vale nada. Se a nossa função, que é registrar o acontecimento, for mal feita, ocorre uma deformação em cadeia prejudicial demais em uma sociedade na qual todos opinam.

É uma preocupação com a honra alheia?
Sim. Aliás, criei o Profissão Repórter por isso. Eu passava um ano inteiro investigando antes de publicar uma denúncia, mas nunca dava um ano inteiro para o cara se defender. Me preocupo demais com o denunciado. E o Profissão Repórter permite olhares cruzados sobre um mesmo tema. Se eu não chequei tal coisa, o outro terá checado. Se vou apontar o dedo contra alguém, há outro repórter buscando compreender o lado dessa pessoa. A ideia é que tenhamos o mesmo tipo de atenção para todos os lados.

Como jornalista, já fez alguma bobagem e se arrependeu?
Durante cinco anos, fiz uma espécie de Profissão Repórter na TV a cabo, era um programa de meia hora. Ali, me dei conta de que a precisão que sempre busquei ao denunciar alguém, veja só, não se refletia quando eu contava histórias de bons brasileiros, histórias edificantes. Fui enganado muitas vezes e não me dei conta.

Por exemplo?
Uma vez, contei a história de um ex-presidiário que levava atenção às crianças da Cracolândia. Eram crianças com feridas nas pernas que nunca cicatrizavam, e esse cidadão levava uma caixinha de primeiros-socorros para lá. Mais tarde, à noite, ele levava a garotada até um ônibus, onde havia uma sopa quente para todos: as crianças terminavam a noite de barriga cheia. Uma linda história. Só que, após a matéria ir para o ar, um empresário me ligou: “Nem quero que divulgue meu nome, não faço nada em busca de reconhecimento, mas eu gasto uma fortuna por mês com a sopa e com o ônibus, e aí esse vagabundo leva o crédito?” (risos). O ex-presidiário havia me enganado.

Quando decidiu ser jornalista?
Não sei exatamente, mas, quando era menino, adorava escrever crônicas sobre o meu cachorro vira-lata, que queria conhecer a cidade. O Duque e eu sempre saíamos à noite para acompanhar as obras do Beira-Rio (inaugurado em 1969). Tinha um louquinho no Partenon, perto de casa, chamado Cabunco, que sempre me perguntava qual era a novidade do dia. Eu sempre contava o que via.

Era um repórter e não sabia.
Exatamente. Lembro que, no alto da Rua Barão do Amazonas, tinha uma favela grande. E a líder do tráfico era uma mulher que tinha um “cavalo”. Ela não tinha as funções das pernas, e o “cavalo” era um jovem que a carregava nos ombros. Vi aquilo em uma noite e fiquei impressionado. Contei tudo para o Cabunco. Nessa época, aprendi como andar à noite sem sentir medo na rua: é uma questão de postura. Se tinha alguém na calçada oposta, eu atravessava para o lado dele.

O mercado de jornalismo vive uma crise inegável, com demissões cada vez mais frequentes. Como resolver isso?
Não sei. Acho que, para quem produz conteúdo, a situação é boa, ainda que o perfil do mercado esteja mudando. Me parece que recebemos uma avalanche tão violenta de novas plataformas, uma coisa tão rápida que envolve redes sociais, novas linguagens e todo tipo de possibilidade de publicação, que não temos ainda uma formação específica para essas plataformas. A tendência é que, com o tempo, saibamos cada vez mais como utilizá-las. Mas não sou ninguém para dizer isso, nunca estudei o assunto.

Você é um caso raro de repórter que se mantém repórter há quatro décadas. Boa parte dos profissionais vira apresentador, comentarista... Como consegue se renovar?
Olha, quando apareceram propostas para mudar de vida e ganhar muito mais dinheiro, ouvi meu coração. E o coração apontava para a reportagem.

Mauri König, repórter

"Reportagem é a essência do jornalismo"

25 de agosto de 2015

Mauri König é graduado em Letras e Jornalismo e pós graduado em Jornalismo Literário. Foi repórter especial da Gazeta do Povo de 2002 a 2015. Também trabalhou nos jornais O Estado de S. Paulo e Gazeta Mercantil.

Vencedor do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa, é um dos cinco repórteres mais premiados da história do país, segundo ranking do Jornalistas&Cia. Entre seus 27 prêmios estão dois Esso regionais, três Embratel regionais e dois Vladimir Herzog. Venceu por duas vezes o Lorenzo Natali Prize, da União Europeia, e recebeu o Prêmio de Direitos Humanos da Sociedade Interamericana de Imprensa. Em 2013, recebeu da Universidade Columbia o Maria Moors Cabot Prize, o mais antigo prêmio do jornalismo mundial, entregue desde 1938. Esta é a mais importante distinção concedida nos Estados Unidos a um profissional de imprensa não americano e rivaliza em importância com o Pulitzer, da mesma instituição. König tem dois livros publicados: “Narrativas de um correspondente de rua” e “O Brasil Oculto”.

Por Itamar Melo

A essência do jornalismo é a reportagem, e é justamente a reportagem que vai manter o jornalismo vivo e pujante, assegurando seu futuro, acredita Mauri König, um dos mais premiados repórteres brasileiros, palestrante da segunda edição do projeto Em Pauta ZH, realizada na noite de terça-feira, no Salão Nobre do prédio administrativo do Grupo RBS.

Segundo o paranaense de 49 anos, que fez carreira na Gazeta do Povo, de Curitiba, esse futuro é uma realidade palpável porque uma sociedade que já teve o privilégio de experimentar o jornalismo de qualidade, como a brasileira, jamais se acostumará a viver sem ele. E quem produzirá a informação de que a sociedade precisa será, principalmente, o jornal.

– O jornalismo nasceu da mídia impressa, que ainda é seu grande sustentáculo. Peguem os blogs mais acessados e mais consagrados e vocês verão que 80% do que eles publicam é produzido por jornais. O conteúdo relevante é produzido hoje dentro das redações. Acredito que os jornais ainda vão ser por muito tempo o arcabouço dos conteúdos de qualidade – afirmou König.

O repórter falou a uma plateia formada por estudantes de comunicação, professores universitários e profissionais da imprensa, um grupo que nos últimos anos deparou com uma realidade desafiadora, trazida pela internet, e que passou a questionar se o seu ofício continuará essencial no futuro. A resposta de König é francamente afirmativa.

Para o multipremiado repórter, a internet mergulhou a sociedade em um oceano de informação, que ameaça afogar-nos em irrelevância. Em meio a esse mar, a informação de qualidade e a reportagem apurada com precisão e profundidade são “ilhas de excelência” em direção às quais o público dará ávidas braçadas. König aposta no papel central que os jornais desempenham na sociedade e, em decorrência disso, devem investir pesadamente em conteúdo.

– Quem é que custeia a reportagem? Eu não li nenhuma que exigisse grande esforço, recursos e tempo de produção em um blog. São os veículos impressos e as empresas que bancam. Passei cinco meses, full time, com mais três colegas na equipe, investigando irregularidades na polícia do Paraná. Não parei para fazer as contas de quanto isso custou, mas sei que não foi barato.

São as empresas de comunicação que viabilizam a grande reportagem, porque sem financiamento não tem reportagem – observou o palestrante.

RELEVÂNCIA DA INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA PARA A SOCIEDADE

Uma dificuldade, disse König, é que os jornalistas talvez não estejam conseguindo mostrar à sociedade o quão trabalhosa, cara e decisiva é a sua atividade. Apesar de o trabalho de investigação da imprensa figurar na origem dos grandes momentos da nação – como o processo de impeachment de Fernando Collor ou as investigações do mensalão –, para o público leigo, às vezes, parece que a reportagem surge do nada.

– Nossa profissão é de uma nobreza que não é possível medir, mas não informamos à sociedade o quanto custou produzir aquilo que entregamos – ressaltou.

Esses custos, muitas vezes, invadem a esfera pessoal dos repórteres. Por causa de suas denúncias, König já foi espancado, ameaçado de morte e obrigado a se refugiar no Exterior. Desfez dois casamentos e sacrificou o convívio com os filhos, experiências que relatou sem esconder a emoção. Duas semanas atrás, perdeu o emprego, vítima da crise que afeta grupos de comunicação.

A demissão não abalou seu otimismo. Para ele, a reportagem vai ser a grande arma para resgatar as empresas das dificuldades.

REPERCUSSÃO

“A conversa com o Mauri foi uma aula de vocação, paixão e compromisso com a sociedade.O futuro é da relevância, da reportagem que faz a diferença, do conteúdo pago – no papel e em qualquer
outra tela.”
ANDIARA PETTERLE,vice-presidente de Jornais e Mídias Digitais do Grupo RBS

“Foi trazido um jornalista muito experiente no exercício da reportagem para falar do trabalho que ele realizou e dos resultados desse trabalho. Foi muito importante para os estudantes que
participaram, porque levarão daqui uma experiência extraordinária. Eu não tenho dúvida nenhuma de que a reportagem continua tendo o grande espaço dela e a responsabilidade dela dentro do jornalismo.
JOSÉ ANTONIO VIEIRA DA CUNHA, sócio-diretor do Coletiva.net

A reportagem é, sim, o grande futuro do jornalismo. Se é para fazer só jornalismo de notícias, aí o jornal impresso vai acabar. O diferencial do impresso é a reportagem. Isso deve ser trabalhado desde a faculdade. Estou cursando a disciplina de Jornalismo Investigativo, e ter assistido à palestra dele foi bastante importante para o projeto que vou desenvolver.
LAÍSE FEIJÓ, estudante de Jornalismo da Unisinos

O Mauri trouxe a essência do futuro, que é retornar à origem do jornalismo: garantir relevância contando histórias. O que tem relevância é contar histórias, e com apuração. O jornalismo produz conteúdo que acaba sendo apropriado não só pelo leitor, mas pelos segmentos das tais mídias alternativas. Tu vês que nos blogs, no Facebook, o que eles estão compartilhando, para ganhar relevância em seus espaços, são muitas vezes trabalhos de fôlego de jornalistas que estão em organizações muito novas, como a Pública e a ProPublica, ou em jornais. Ou seja, a grande apuração ainda é feita por jornalistas que estão em veículos formais.
FRANCISCO AMORIM, mestre em Sociologia e doutorando em Sociologia na UFRGS

Com um bloco e uma caneta na mão, o repórter consegue entrar em qualquer lugar. Temos de botá-lo na rua. Quem é que muda o Brasil? Somos nós, os repórteres. Então, tem de se meter como um cão, como o Mauri faz. Jornal tem de ter notícia, tem de ter uma capa que dá uma porrada no leitor. E não se pode esquecer da grande reportagem, pela qual sou um apaixonado. Tem de ter uma boa história para contar e tem de contar bem. Quando se faz isso, o leitor baba.
MARQUES LEONAM, professor aposentado do curso de Jornalismo da PUCRS

ENTREVISTA

Por Letícia Duarte

Reconhecido como um dos cinco jornalistas mais premiados do país pelo ranking do Jornalistas e Cia, o paranaense Mauri König, 49 anos, não teme a crise que afeta o mercado. Apesar das transformações no modelo de produção, acredita que a reportagem vai salvar o jornalismo.

Você é um dos mais premiados profissionais brasileiros e, mesmo assim, recentemente se tornou também uma vítima da crise
que afeta as redações. Como vê o cenário da crise?

A crise não está propriamente no jornalismo, está no processo de produção e nos meios de financiamento. Estamos nesse processo de transição há pelo menos uma década. A crise está se agravando e vai piorar. Mas o jornalismo em si vai subsistir. Vão morrer meios de produção,mas o jornalismo vai sobreviver. Toda profissão tem a sua nobreza, sua importância para grupos sociais. Algumas profissões têm o privilégio de conseguirem ser mensuradas de maneira mais prática, como a medicina, a engenharia. O jornalismo também está presente no dia a dia, mas as pessoas não se dão conta da importância, porque trabalhamos com algo intangível, a informação. Mas sabemos o quanto o jornalismo já contribuiu para as diversas sociedades mundo afora, derrubando governos corruptos, corrigindo uma porção de injustiças, prestando um serviço no dia a dia para as pessoas. A gente acaba pagando por uma falta de percepção coletiva da importância do trabalho que a gente faz.

Você já disse que a grande reportagem ainda é e sempre será a alma do jornalismo. É a grande reportagem que vai nos salvar?

Estamos hoje em dia mergulhados em um oceano de informações. E está aí a internet das coisas, que vai se tornar uma realidade, e a informação estará literalmente em todos os lugares, em cada canto. Nesse oceano de informações, acho que as pessoas vão acabar se afogando, com tantas informações inúteis. E aí no que as pessoas vão se apegar? Elas vão buscar as ilhas de excelência, ali vai ser o porto seguro, uma informação que realmente seja útil. Porque nesta gama enorme de informação a maior parte é meramente entretenimento, o tipo de informação que a pessoa consome, vira a página ou clica em outro lugar e acabou, aquela informação morreu. A ilha de excelência nesse oceano de informação é justamente a reportagem, que tem um valor agregado, uma utilidade pública muito forte, que vai fazer com que as pessoas se deem conta da realidade que as cerca, de uma injustiça que está sendo cometida, que as convoque para uma indignação coletiva.

Ao longo de sua carreira, você já recebeu muitas ameaças por causa de reportagens investigativas, chegou a ter que sair do país por causa disso. Mas já disse que a sua indignação é maior do que seu medo. Como lida com ameaças?

O que me move no jornalismo é a minha indignação. Não consigo ficar indiferente a determinada situação que me parece injusta. A nobreza do jornalismo, embora não seja compreendida pela maioria das pessoas, é tamanha que a gente encara como uma missão. Antes de ser uma profissão, é uma missão de entrega ao outro. Porque nosso trabalho, depois de pronto, a gente entrega aos leitores: “Tome, é teu, faça uso dessa informação da melhor maneira que lhe convier”. Me incomodaria trabalhar durante semanas ou meses e aquilo ser indiferente para as pessoas. O jornalismo tem que provocar mudanças. A gente consegue medir a qualidade de um trabalho jornalístico pelo tamanho da mudança que provoca. Muitas vezes isso cria um dissabor, porque na maioria das vezes a informação que importa está sendo ocultada por quem está tirando vantagem dessa omissão. E o jornalista é aquele intruso que se mete nessas coisas para revelar situações obscuras. Eu já fui espancado, já tive que mudar de cidade, já tive que ficar longe dos meus filhos, já tive que passar umas férias forçadas fora do Brasil, mas eu não me arrependo. Porque cada uma dessas reportagens foi útil para muitas pessoas.

Que reportagem mais o marcou?

Uma reportagem que publiquei em 2000 e 2001 no jornal Estado do Paraná, que já não existe mais – foi uma das vítimas da crise do jornalismo. Era sobre o recrutamento de adolescentes para o serviço militar no Paraguai. Fiz um levantamento que mostrava que 109 adolescentes morreram em circunstâncias misteriosas em quartéis paraguaios. Entre eles adolescentes brasileiros que migraram com os pais e foram recrutados de maneira absurda, sequestrados.

Você foi espancado quase à morte ao produzir essa reportagem. Como foi?

Eu estava percorrendo delegacias e quartéis para ver se havia adolescentes brasileiros prestando serviço militar. Na quinta vez, estava sozinho e caí numa emboscada. Me pararam numa estrada vicinal. Eu parei, peguei os documentos, e quando fui entregar já levei um soco no rosto de um cara com a farda da polícia nacional do Paraguai. Depois apareceram mais dois civis, me arrancaram do carro e começaram a me espancar. Um deles colocou o joelho nas minhas costas, colocou a corrente no meu pescoço e começou a apertar. Acabei esmorecendo ali. Eles me deixaram estendido no chão. Depois, deixaram escrito no capô do carro, em espanhol: “Abaixo a imprensa do Brasil”. Isso acabou tendo grande repercussão, saiu em todos os jornais do Paraguai. A ONU, na época, se manifestou contra a violação dos direitos humanos no Paraguai. Houve uma série de repercussões que deram visibilidade àquilo que realmente importava, a reportagem, que mostrava que adolescentes estavam sendo recrutados de forma ilegal e mortos nos quartéis do Paraguai.

Que conselho daria para jornalistas e estudantes de jornalismo?

Primeiro, diria: confie na profissão que escolheu. Quem escolheu trabalhar com jornalismo não deve ter tido a ambição de ficar rico, né? Estamos num momento em que precisamos persistir, diante dessa crise que está aí, com jornais sendo fechados, demissões. Temos uma outra gama de oportunidades que estão se abrindo, o meio digital é um ambiente extremamente rico. A gente precisa botar a cabeça para funcionar e encontrar alternativas. É importante persistir não só na hora de investigar um assunto, mas persistir na profissão. Os bons vão subsistir. Muita gente vai desistir do jornalismo. Os que ficarem são os que vão fazer a diferença.

Leandro Beguoci, editor da F451  

"Nunca foi tão desafiador ser jornalista"                                  

28 de julho de 2015

Leandro Beguoci, editor-chefe da F451, empresa de mídia que publica o Gizmodo Brasil e a Trivela, foi o palestrante da primeira edição do Em Pauta ZH, uma série de eventos mensais que a RBS vai produzir para discutir temas sobre jornalismo.

— O lançamento do Em Pauta ZH é parte de um projeto maior de investimento em jornalismo. É muito importante trazer de volta os temas críticos em jornalismo, os temas de transformação e aqueles temas que hoje fortalecem a imprensa — contou Andiara Petterle, vice-presidente de Jornais e Mídias Digitais do Grupo RBS.

O evento, que ocorreu na terça-feira (28 de julho) no Salão Nobre do prédio corporativo do Grupo RBS, contou com a presença de professores e alunos de universidades, profissionais do mercado e jornalistas dos veículos da RBS e discutiu o valor do jornalismo na atualidade e os desafios da profissão na revolução digital.

Leandro abriu a palestra alertando para a história da Kodak, sua descrença no mercado de fotografia digital e sua consequente decadência.

— Fazer as mesmas coisas num mercado que está mudando esperando um resultado diferente é uma loucura. Jornalismo é bem diferente de filme fotográfico mas temos que nos fazer esses questionamentos — pontuou o palestrante.

O jornalista paulista ressaltou que a revista Time, por exemplo, se define como uma empresa de conteúdo que tem uma versão impressa. Neste contexto, é preciso produzir um novo conceito de empresa de mídia, no qual a companhia não se defina por sua plataforma.

Estrutura de trabalho e formação acadêmica

Leandro também lembrou que a estrutura de trabalho no jornalismo é como uma linha de montagem e que isso precisa mudar.

— Numa redação tradicional, temos o editor, o repórter, o diagramador. As pessoas não têm muita autonomia. É uma profissão muito estruturada, muito industrial. Empreendedorismo é cada vez mais fundamental, temos problemas e necessidades para resolver e suprir. Não podemos ficar esperando que o problema seja resolvido por outro departamento. Temos que mudar nossa forma de trabalhar — afirmou o jornalista.

Laura Glüer, coordenadora de jornalismo da UniRitter, indagou o convidado sobre qual é a formação ideal para o jornalista que vai atuar nesse mercado em constante mudança.

— O novo jornalista precisa trabalhar cada vez mais com linguagens, entender que um vídeo e um infográfico pode se tornar um só dependendo da matéria. Esse profissional precisa entender a importância dos dados e que através deles podemos compreender o comportamento dos consumidores. E, por fim, temos que entender de marketing e negócios. Não podemos formar jornalista que não entendam o mercado onde estão — respondeu Beguoci.

O valor do impacto social

Beguoci defende que os jornalistas são mais do que editores e repórteres, são pessoas que criam conversas e relações. E nesse sentido, precisam criar valor para a comunidade.

— Antigamente, escrevíamos uma matéria e o trabalho estava feito. Hoje, quando terminamos a matéria começamos outro trabalho tão importante quanto a redação. É preciso perceber como essa reportagem circula para o mundo e impacto que está gerando. O jeito de trabalhar mudou — explica.

De acordo com o palestrante, vivemos na era das métricas e dados por isso é preciso mostrar resultados para agregar valor.

— Temos que medir o impacto social do que fazemos. Será que os repórteres não têm de medir quanto tempo levou para consertar o buraco de rua depois da reportagem? A métrica não é apenas quantos exemplares circulam ou quantos cliques um site tem — provocou o paulista.

Neste cenário de mudanças surgem novas questões como: quais são as novas funções em jornalismo? Como definimos o que fazemos? Como inovar num mercado dominado pelo Google e Facebook? Qual o valor do que criamos?

— É uma grande época para ser jornalista, porque temos inúmeras possibilidades e desafios. Não temos todas as respostas. Por isso é preciso experimentar e errar — conclui o empreendedor.

ENTREVISTA

Por Carlos Moreira

“A melhor época do mundo para ser jornalista é agora”

O jornalista Leandro Beguoci, 32 anos, tem alternado sua atividade profissional (editor-chefe da empresa F451 e colunista da revista VIP) com a de pesquisador do grande nó do jornalismo atual: como sobreviver na era das facilidades digitais de produção de conteúdo.

Você diz que estamos no melhor momento para alguém ser jornalista. Por quê?

Quando a gente resolveu ser jornalista e trabalhar com comunicação, nosso objetivo era chegar a todas as pessoas que se interessavam por aquilo que estivéssemos dispostos a dizer. E isso não era possível no passado, pelo menos não com essa escala, talvez só com TV, raramente com rádio. Agora, temos a possibilidade real de conversar com todo mundo que se interessa pelo que a gente faz. E por isso acho que a melhor época do mundo para ser jornalista é agora, com zilhões de novas tecnologias, novas formas de fazer. Claro que isso também tem um problema. Há vários modelos de negócios, e não chegamos ainda a um modelo que financie esse desejo e não conseguimos fazer com que as pessoas percebam o valor daquilo que produzimos. Esse é o grande desafio.

Em um texto publicado há algum tempo no portal Projeto Draft você
comentava que tem sido difícil fazer o público leitor de internet
acessar mais do que 10 ou 15 textos de tudo que um jornal produz.
Como fazer o público se interessar por esse material?

Temos que entender melhor quem é a nossa audiência, quem são as pessoas que consomem o que produzimos. Durante muito tempo, os jornalistas não precisaram se preocupar com isso, basicamente havia um oligopólio da produção e da distribuição do conteúdo. Havia poucos veículos falando com muita gente sobre alguns assuntos, não era preciso entender bem o valor daquilo que fazíamos. Agora não, precisamos compreender exatamente o que funciona para as pessoas. Antes, a gente basicamente produzia uma pauta a partir daquilo que achava que era importante. Entendemos nosso leitor de forma muito genérica, muito ampla: “faixa etária, faixa de renda e onde vive”. Mas uma pessoa não é só sua idade, seu bairro, sua classe social, ela tem milhões de outros interesses. Então essa é a questão: para a gente produzir jornalismo de impacto, que realmente faça diferença na vida das pessoas, precisamos entender que pessoas são essas.

E como tornar economicamente viável a produção de conteúdo na internet?

Essa é a segunda questão: como se faz um modelo de negócios a partir disso? Acho que não existe mais diferença entre digital e papel. A internet permeia tanto a nossa vida, está em tantos lugares, que já faz todo o processo de produção da TV, do jornal impresso, da revista. O conteúdo não vive mais só em uma plataforma de papel, ele transborda. Agora, o que temos que pensar urgentemente é: como provamos o valor do que produzimos para cobrar por aquilo? Antigamente, o valor era entregar um produto escasso. As pessoas pagavam para ter acesso a algo que era difícil, e os anunciantes pagavam para ter acesso a essa audiência que se interessava por aquilo que se produzia. E o dinheiro da publicidade era bem maior. Hoje, uma boa parte da receita publicitária foi basicamente para onde as pessoas passam a maior parte do tempo: para a TV, o Google e o Facebook. Isso significa que a gente não tem chance? Pelo contrário. O Facebook recentemente fez um acordo com veículos de comunicação dos Estados Unidos porque ele sabe que não pode entregar uma timeline que seja só gatinho fofo e foto de comida. Por isso, acho que temos que nos preocupar cada vez mais com o impacto do que produzimos e com a diferença que aquilo tem na vida das pessoas. Ninguém vende sapato pelo valor de andar. Às vezes, vendemos jornalismo com base em coisas abstratas, temos de começar a vender jornalismo assim: ter acesso a esta reportagem te ajuda a participar melhor da vida da cidade e a não passar nervoso de dois em dois anos durante as eleições.

Os primeiros portais a se estabelecerem foram os associados a
grandes veículos. Com o crescimento das redes sociais e a facilitação
da produção de conteúdo, a marca não funciona mais?

Eu gosto de inverter essa pergunta. Essas marcas perderam valor ou foram substituídas por outras que surgiram e se consolidaram já na era da internet? Às vezes essas marcas são um grupo de três pessoas ou uma pessoa só. Pensa na situação difícil de uma revista de moda que passou a concorrer não com outras revistas de moda, mas com uma menina com um blog, e a marca desse indivíduo se tornou tão forte quanto a marca da revista que está atuando há 30 anos. Isso é normal numa economia de mercado: as pessoas dão valor ao que faz diferença para elas. Não é o caso de dizer que isso é um horror. Claro que tem muito horror, mas tinha também muito horror sendo produzido com as marcas tradicionais. O ponto é: quando vejo que uma pessoa consegue entregar mais valor do que eu, não fico furioso com essa pessoa, eu preciso entender o que ela fez e como consigo fazer também, ou como eu, marca jornalística, posso provar para as pessoas que tenho um grau de confiança ou de qualidade que é melhor do que aquele que ela vai encontrar em outros lugares. O jornalismo está submetido agora a uma competição real que nunca teve antes.

É possível trabalhar no jornalismo com os elementos “objetivos” de um produto qualquer? O sapato, como você comentou, pode ser vendido por vantagens objetivas: é impermeável, o couro dura mais, etc. Com o jornalismo não estamos trabalhando com o valor imaterial da informação, que é similar ao valor da cultura, por exemplo?

Claro, mas acho que as pessoas veem valor nisso. Vou dar um exemplo concreto. Durante muito tempo se falou que “ninguém vai ao museu”, “ninguém se importa com a cultura”. E hoje em dia, se você for a qualquer exposição em São Paulo, tem fila. Há uma ânsia bem prática das pessoas por informação, por conhecimento: eu quero ser promovido, e para ser promovido quero saber o que acontece no mundo. Para conseguir ter uma conversa decente com meus colegas de escritório, preciso saber minimamente o que está acontecendo, ou para me candidatar a algum trabalho. Acho que é possível transformar as métricas subjetivas de jornalismo que sempre usamos em coisas mais objetivas. Até porque o jornalismo é usado de forma objetiva pelas pessoas que o consomem. Até hoje, no meu bairro, as pessoas dizem: se você ler jornal, você escreve melhor, você vai melhor no vestibular ou numa entrevista de emprego. Você tem zilhões de benefícios para mostrar. Ler um jornal ajuda a ter uma vida melhor ou pior? E como se prova isso? Temos meios de provar, e temos de nos esforçar para isso. Não podemos aceitar que o jornalismo é um fato da natureza, não é um fato dado. As pessoas não têm que gostar da gente porque somos legais, e sim porque fazemos diferença na vida delas.

A comunidade está convidada a conferir a exposição Imigrantes Contemporâneos: a jornada de haitianos e senegaleses no Brasil, com 19 fotos feitas durante a reportagem Inferno na Terra Prometida, publicada em ZH em 7 de junho deste ano. O repórter Carlos Rollsing e o fotógrafo Mateus Bruxel acompanharam 18 imigrantes de Rio Branco (Acre) até São Paulo. Foram 79 horas e quase 4 mil quilômetros de uma viagem cheia de imprevistos para contar a história desses estrangeiros.

A mostra ficará aberta das 8h às 20h, até 14 de agosto, no saguão do prédio corporativo da RBS (Avenida Érico Verissimo, 400), em Porto Alegre.

Veja fotos que fazem parte da reportagem:

Veja imagens da exposição:

FOTOS TADEU VILANI 

Em busca de terras férteis e do sonho de mudar de vida, 
agricultores gaúchos deixaram tudo para trás em direção 
a uma parte pobre no Norte e no Nordeste. Anos depois, a 
saga transformou a região e consolidou a nova fronteira 
agrícola do Brasil: o Matopiba — sigla formada pelas 
iniciais de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. 
A repórter Joana Colussi e o fotógrafo Tadeu Vilani 
percorreram 3 mil quilômetros nos quatro Estados para, 
além das histórias dos migrantes, mostrar aspectos 
sociais, econômicos, ambientais e estruturais da região, 
explicando como o Matopiba virou o quarto maior 
produtor de grãos do país. 
A Mostra é parte da reportagem Matopiba Tchê, editada 
por Leandro Becker e publicada por Zero Hora em 12 
de julho de 2015. A exposição marca a segunda edição 
do evento Em Pauta ZH, que promove debates sobre 
Jornalismo. 


LEIA A REPORTAGEM COMPLETA EM ZHORA.CO/MATOPIBA-TCHE

  
  1. Diego Japas, jornalista
  2. Mônica Bergamo, jornalista
  3. João Moreira Salles
  4. Ricardo Gandour, jornalista
  5. Ascânio Seleme, jornalista
  6. Seminário O futuro do Jornalismo
  7. Eliane Brum, repórter, escritora e documentarista
  8. Tim Rogers, editor da Fusion EUA
  9. Rodrigo Lopes, jornalista
  10. Adriana Carranca, colunista e escritora
  11. Repórteres da RBS debatem o impacto das reportagens
  12. Sérgio Dávila, editor-executivo do jornal Folha de S.Paulo
  13. Caco Barcellos, repórter e escritor 
  14. Mauri König, repórter
  15. Leandro Beguoci, editor da F451  
  16. Exposição: Imigrantes Contemporâneos
  17. Exposição: Matopiba Tchê
  18. Section 13
  19. Section 13
  20. Section 15
  21. Section 18
  22. Section 20