Reportagem: Carlos Rollsing, Débora Cademartori e José Luís Costa
Edição: Lúcio Charão
Fotos: Carlos Macedo, Diego Vara e Lauro Alves

Na contramão de autoridades estaduais e federais que tentam barrar ferros-velhos clandestinos, prefeitura de Porto Alegre aluga terrenos a cinco autopeças. Fora da lei que prevê credenciamento no Detran, esses estabelecimentos deveriam estar fechados há seis meses. Além disso, aluguéis apresentam preços que estariam defasados.

Ao mesmo tempo em que autoridades federais e estaduais formulam regras e estratégias para combater os ferros-velhos clandestinos, fomentadores da indústria do furto e do roubo de veículos, o poder público municipal cede espaços para desmanches que funcionam ao arrepio da legislação, pagando aluguel para a prefeitura da Capital.

São pelo menos cinco estabelecimentos na Avenida Sertório, na Zona Norte, tradicional ponto da cidade para esse tipo de comércio. Os inquilinos da prefeitura ocupam áreas previstas para receber o futuro alargamento da via, em trechos que alcançam até mil metros quadrados, pagando pelo uso taxas mensais que variam entre R$ 292,04 e R$ 860,23. Levantamento do Sindicato da Habitação do Estado (Secovi-RS) em dezembro de 2015 mostra que os valores, em alguns casos, podem estar defasados. O aluguel mínimo do terreno apurado no bairro Sarandi foi de R$ 800, superior ao patamar cobrado de quatro dos cinco desmanches.

Desmanche ilegal é fechado na Capital

Há pelo menos seis meses esses estabelecimentos deveriam ter sido fechados pela prefeitura da Capital, conforme o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS). Em dois momentos, em janeiro e setembro do ano passado, a direção-geral do órgão enviou ofícios à prefeitura da Capital – e também para as demais 496 cidades gaúchas –, lembrando a atribuição municipal de fiscalizar seus licenciados e informando que, desde 20 de agosto de 2015, só podem atuar no ramo de desmanches aqueles credenciados junto ao Detran ou que encaminharam processo de regularização. Os alertas do Detran levaram em conta leis federal e estadual.

“Faz-se necessário que os municípios estejam estruturados para que o setor responsável pela concessão das licenças e emissão dos alvarás não conceda licenciamento a empresas não credenciadas ao Detran”, diz trecho de um dos ofícios.

Ofensiva policial, prisão e 33 toneladas apreendidas

Apesar dos comunicados, os desmanches irregulares seguiram atuando em áreas municipais. Conforme a legislação, os estabelecimentos licenciados pelo Detran – apenas cinco dos cerca de 40 existentes na Avenida Sertório estão em condição legal, conforme dados oficiais do órgão – são obrigados a comprovar a origem das peças usadas.

Também precisam cadastrá-las em um sistema de estoque informatizado, desenvolvido pela Procergs, com o gerenciamento do Detran. Cada produto é controlado por meio de código de barras e, ao ser vendido, o comerciante tem de emitir nota fiscal eletrônica que dá baixa automática no estoque dele. Uma etiqueta seriada com o mesmo número do sistema precisa estar afixada à peça vendida. Órgãos de fiscalização têm acesso a essa movimentação online.

Pressionado pela escalada da violência e, em especial, pelo aumento dos roubos de carros – crime que mais cresce no RS –, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) desencadeou uma ofensiva contra desmanches clandestinos na última terça-feira na Avenida Sertório.

Foram alvo de blitze três pontos de comércio. Em um deles, a Barão Imports, acabaram apreendidas 33,8 toneladas de peças sem identificação de procedência – parte era roubada.

Situada na Sertório, 9.793, a Barão ocupa uma área alugada pelo município, cuja permissão para uso a título oneroso foi oficializada em decreto de março de 2012. A área locada é de 165,55 m², com aluguel de R$ 424,22.

A loja foi interditada. Um outro estabelecimento, que não foi alvo da ofensiva policial, fica no mesmo número da Barão, o 9.793. Paga aluguel de R$ 292,04 à prefeitura, ocupando uma área contígua à Barão de 69,60 m².

Divulgada como a primeira operação do gênero no governo Sartori, inclusive com a presença do titular da SSP, Wantuir Jacini, e da cúpula das forças policiais, a ação mandou para a cadeia quatro homens – o dono da Barão e três empregados – sob suspeita de receptação e adulteração de sinal identificador veicular.

O flagrante foi homologado pela Justiça – preencheu os requisitos legais –, mas os quatro ganharam o direito à liberdade provisória no dia seguinte. No despacho, a juíza plantonista Karla Aveline de Oliveira argumentou que três deles não têm antecedentes criminais e o outro não tem condenação (responde a processo por crime de receptação).

“ A ordem pública não restou sequer minimamente abalada com o delito que lhes foi imputado... cuida-se de indivíduos com endereço conhecido” escreveu a magistrada.

No trecho final da Avenida Sertório, a prefeitura de Porto Alegre atua como se fosse uma imobiliária especializada em locar imóveis para lojas de autopeças, também conhecidas como desmanches, atividade que sobrevive diante de uma situação controversa.

Embora os quatro homens já estejam soltos, a Barão permanece fechada. Outros três estabelecimentos inquilinos da prefeitura – Morí Car, Latacar e Vip Auto Peças – seguem de portas abertas em terrenos próximos, mesmo sem o credenciamento no Detran, ignorando a legislação e com a complacência das autoridades.

Entre a quarta e a quinta-feira, ZH visitou as três lojas (veja vídeo acima). Em duas, foi possível constatar a venda de peças sem comprovação de origem e sem o controle do departamento de trânsito. Na Morí Car, um espelho retrovisor para Corsa foi adquirido por R$ 80. Chamou atenção o fato de o vendedor ter usado um talão de notas em nome de outra razão social, em endereço da Sertório diferente do da Morí.

Na Latacar, dois espelhos retrovisores custaram R$ 100. Uma mulher que se apresentou como proprietária falou que o ponto está à venda e, por isso, não teria nota fiscal. Ela emitiu um documento com os dados da venda em que dizia “orçamento”, sem validade fiscal.

Nos dois locais, os acessórios comprados não continham a etiqueta de identificação de produto usado exigida pelo Detran, configurando irregularidades administrativas – só é considerado crime quando é possível provar que se trata de objeto de roubo a partir da análise dos números de série gravados em determinadas peças pelo fabricante, o que não ocorreu nas compras feitas pela reportagem.


A pedido da reportagem, o Detran informou que, dos cinco desmanches em áreas da prefeitura, três deles chegaram a demonstrar interesse na regularização: Vip Autopeças, Lata Car e Morí Car. No entanto, desde que a atual legislação entrou em vigor, em agosto de 2015, não deram continuidade ao processo. Os outros dois estabelecimentos em nenhum momento procuraram legalizar suas atividades.

A Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic) comunicou que, dentre o quinteto de ferros-velhos, a Morí Car tem alvará limitado ao comércio de peças novas, mas a loja vende equipamentos usados. Os outros não dispõem da liberação.

A SSP evitou comentar a soltura dos quatro presos e tampouco o fato de a prefeitura alugar terrenos para desmanches. Conforme a assessoria de comunicação, a secretaria dará sequência a operações contra ferros-velhos irregulares, envolvendo as polícias Civil, Militar e o Instituto-Geral de Perícias, em parceria com o Detran.

CONTRAPONTOS

O QUE DIZEM

Morí Car

O gerente Júlio Cordova afirma que tentar regularizar o credenciamento com o Detran, desde setembro de 2015.

– Quero trabalhar correto, mas a burocracia não deixa. Sem registro no Detran, o gerente admitiu que nem tudo o que vende segue os padrões do órgão e nem todos os produtos têm nota fiscal.

Autopeças Latacar

Noeli Pagini, dona do estabelecimento, afirma que está com dificuldades para se credenciar no Detran porque “sempre falta algum documento”.

– Estou vendendo o ponto – diz Noeli, ressaltando que não foi renovar o alvará do espaço porque não tem mais interesse em continuar com a loja.

VIP Peças

O proprietário, Ênio Oliveira, afirmou que já pediu ao contador providenciar a renovação do alvará e que o documento ficará pronto em alguns dias. Sobre o credenciamento junto ao Detran, informou que irá se inteirar dos procedimentos e documentação.


Barão Imports

Segundo Samir Nassif, um dos advogados dos presos, o ponto da loja Barão já havia sido vendido quando a polícia flagrou as peças sem procedência no local, no dia 16.

O proprietário da loja diz não ter dado início do processo de registro no Detran nem à renovação do alvará porque não havia interesse em continuar com o estabelecimento.

Da lista de 87 imóveis locados pela prefeitura de Porto Alegre, um chama a atenção pelo caráter inusitado. Fica em área nobre da cidade, no bairro Chácara das Pedras, no encontro das ruas Araponga e Doutor Jorge Fayet.

Na especificação do contrato, a administração municipal informa que se trata de área alugada para um garagem. Na fachada da residência, um muro indica a área anexada, exatamente na localização descrita pela prefeitura no decreto de cedência. A surpresa: não há nenhum estacionamento ali. Depois do muro, há uma piscina.

Na prática, um terreno municipal de cerca de 35 metros quadrados foi anexado à moradia, com a instalação do equipamento de lazer.

O beneficiário da cedência é Valter Luiz Cardeal de Souza. O engenheiro Valter Cardeal atua no setor elétrico há mais de 30 anos, tendo ocupado cargos importantes na direção da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE).

Atualmente, está licenciado da função de diretor de geração da Eletrobras, estatal que chegou a presidir interinamente entre 2007 e 2008. O decreto que permitiu o “uso oneroso” do terreno foi publicado em 22 de janeiro de 2009. A assinatura do contrato veio mais de um ano depois, em 11 de fevereiro de 2010.

O valor do aluguel mensal pago por Cardeal para anexar a área começou em R$ 47,64 e, hoje, após seis anos de vigência, alcança R$ 64,77. A cifra pode estar desatualizada: dados de dezembro de 2015 do Sindicato da Habitação do Rio Grande do Sul (Secovi-RS) indicam que uma garagem – finalidade inicial do espaço cedido – está sendo locada pelo preço médio de R$ 200 na Chácara das Pedras. O acordo é válido por tempo indeterminado.

O recurso despendido pelo morador da Chácara das Pedras dá sinais de discrepância quando comparado a outros aluguéis cobrados pela prefeitura de Porto Alegre.

Uma borracharia na Avenida Sertório ocupa uma faixa de 15 metros quadrados desapropriados pelo município para o eventual alargamento da via. Embora seu terreno seja menor e em região menos valorizada, destinado à atividade econômica, o proprietário do estabelecimento quita mensalmente a taxa de R$ 53,98, apenas R$ 10,79 a menos do que a área destinada a Cardeal.

CONTRAPONTOS

O que diz a prefeitura

Quanto ao aluguel, o valor pode sofrer efeito de um redutor de até 80% se comparado ao preço de mercado. Isso porque os 35 metros quadrados cedidos são contíguos à casa do beneficiário, sem capacidade física para comportar nova construção, o que inviabilizaria o interesse de outros inquilinos. Sobre o contrato indicar uso para estacionamento, mas existir uma piscina, a prefeitura afirmou que o fato não é relevante.

O que diz Cardeal

Valter Luiz Cardeal de Souza negou que usa a área de 35 metros quadrados para a piscina de sua residência. Afirma que a prefeitura deve ter se enganado na hora de registrar o local como estacionamento. Cardeal diz que, para evitar a ação de pichadores, alugou a área da prefeitura para construir uma cerca a fim de proteger a sua casa. Sobre o baixo valor cobrado, acredita que “acha até caro” para o pequeno espaço que usa.

Além de terrenos para desmanches, a prefeitura de Porto Alegre aluga áreas para oficinas mecânicas, concessionárias, revendas de carros, bancos, borracharias, lojas, lancherias, fruteiras, bares e garagens, entre outras atividades. São 87 pontos de locação, em sua maioria para o comércio – que rendem R$ 132.337,84 –, mas também há casos de cobrança por espaços usados como extensão de moradias, estacionamentos ou passagem de pedestres em condomínios residenciais.
Para se ter ideia da diversidade, em apenas uma rua, a Landel de Moura, no bairro Tristeza, a prefeitura aluga terrenos onde funcionam uma serralheria, uma sapataria e um posto de venda de gás (atualmente em reforma).

Na Avenida Princesa Isabel, no bairro Azenha, também são três inquilinos, duas lancherias e uma oficina mecânica.

Na Avenida João Wallig, no Passo da Areia, a operadora de telefonia Vivo paga R$ 2,1 mil por uma espaço onde instalou uma antena retransmissora – o local está reservado para ampliação da via.

O aluguel mais caro é de R$ 39,7 mil mensais, cobrado de quatro postos de combustíveis locados para a Distribuidora de Petróleo Ipiranga, instalados sobre terrenos do município nos bairros Centro, Praia de Belas, Petrópolis e Moinhos de Vento, esse último na Rua Fernando Gomes, em área nobre que está em processo de alienação em favor do Dmae. A Transportadora Gabardo ocupa área de 11,7 mil metros quadrados no bairro Anchieta, pagando R$ 10,1 mil – o local está destinado para projetos de urbanização no entorno da Avenida Fernando Ferrari.

Quase 200 metros quadrados por menos de R$ 1 mil mensais

No bairro Moinhos de Vento, no cruzamento da Rua 24 de outubro com a Rua Olavo Barreto Viana, o banco HSBC investe R$ 5 mil para ter estacionamento de clientes em um trecho de recuo da calçada em frente à agência.

No Jardim Lindoia, a administradora de bens Sicredi quita R$ 839,26 mensais para utilizar área de 192,5 metros quadrados. Até agora, o local foi apenas gradeado, mas o plano é construir um depósito de resíduos recicláveis já aprovado na prefeitura. A administração municipal informa que a empresa tentou comprar a área, mas o Dmae vetou o negócio porque, no subsolo, passam redes de água e esgoto.

Há casos de valores irrisórios. Um deles, de R$ 45,79, é cobrado de uma família da Rua Silva Só pelo uso de 16,8 metros quadrados de uma faixa do pátio da casa.

POR QUE ALUGAR

-Conforme o secretário-adjunto da Fazenda de Porto Alegre, Eroni Numer, os imóveis alugados pela prefeitura são, em sua maioria, sobras de ruas ou trechos de terrenos que ficaram de fora de projetos urbanísticos.

-Por serem em medidas disformes, desproporcionais, inclinados, contíguos a terrenos de terceiros privados, ou mesmo pedaços estreitos, torna-se inviável construir prédios públicos ou vendê-los por falta de interessados.

-Em alguns casos de terrenos maiores ou áreas de passeio, o município não pode se desfazer deles por causa da presença de redes de serviços subterrâneas. Outros estão reservados para futuros alargamentos de vias – caso da Sertório – e são alugados enquanto as obras não se iniciam.

-O aluguel é uma permissão de uso precária, que pode ser revogada a qualquer momento por interesse do município.

-Os 87 pontos locados rendem R$ 132.337,84 mensais aos cofres públicos.

-A prefeitura também é inquilina de imóveis, gastando R$ 500 mil por mês em aluguéis. Para tentar reduzir esse custo, existem projetos de Parcerias Público-Privadas visando a acordos com investidores que
construam prédios para uso da administração municipal.

A atividade irregular em terrenos públicos, caso dos desmanches, é motivo de cautela especial para Eroni Numer, que responde interinamente pela Secretaria da Fazenda. Ele promete ações conjuntas com outros órgãos para coibir comércios ilegais e explica os motivos que levam a prefeitura a cobrar aluguéis com valores abaixo dos de mercado.

Por que a prefeitura aluga terreno para desmanches na Sertório que estão em situação irregular?

A prefeitura só faz permissão de uso para quem tem a posse da área. A parte de trás do terreno é de propriedade particular, que era o antigo dono da parte da frente, mas doou a titularidade para a prefeitura na década de 1970 para duplicar a Sertório. E esse proprietário firmou contratos de aluguel com as pessoas que ocupam, ao mesmo tempo, parte do terreno particular e parte do terreno da prefeitura. Com base neste contrato que deu a posse para elas, fizemos as permissões de uso. A Secretária da Fazenda dá permissão para uso do solo. Isso está regular. O funcionamento da atividade, do desmanche, se está com a documentação irregular, é competência da Smic.



Pela lei, de 2015, revenda de autopeças usadas tem de estar cadastrada no Detran.

As regularizações com as permissões aconteceram por volta de 2012.



Elas não teriam de ser revisadas?

Seriam pela Smic. Para nós, como administramos o solo, não tem esse problema.



Antes da liberação do uso do solo, a Fazenda não fez um estudo sobre quem será o permissionário?

Sim. Quando foi aberto processo de regularização para cobrar aluguel, foi necessário apresentar documentos, e naquele momento, foi apresentado. Na época não existia a lei, então foi permitido o uso.



A Secretaria da Fazenda vai até o local para saber se a atividade declarada na documentação é a de fato exercida?

Não temos essa rotina. Mas pode ser feito. Temos apenas um fiscal.



No caso da Sertório, são cinco lojas e apenas uma paga aluguel de R$ 860. Para as demais, o valor varia entre


R$ 292 e R$ 470. A tabela do Secovi aponta que, no bairro, o preço mínimo do aluguel do terreno é R$ 800.


Não são imóveis locados para qualquer pessoa, pois retira a frente do imóvel ocupado pela pessoa que aluga, ao mesmo tempo, o imóvel dos fundos. Não tem mercado para esse imóvel. Ele tem valor completamente diferente. Se tu locares para alguém ali, vais tirar a frente de quem está no imóvel detrás.



Que providências podem ser tomadas para que não sejam alugados imóveis a atividades como desmanches?

Podemos entrar em contato com a Smic e promover uma ação conjunta para fazer a análise da irregularidade. Qualquer atividade que esteja fora da lei é uma preocupação da prefeitura. Não pode ser diferente com a Secretaria da Fazenda. A Fazenda é, notoriamente, uma das secretarias que mais buscam a regularidade, principalmente na questão tributária.



Por linhas indiretas, a prefeitura ganha dinheiro com o comércio ilegal, pois cobra aluguel.

Se pensar por esse lado, parece que sim. Mas, por outro lado, a prefeitura está ganhando dinheiro porque conseguiu cobrar de alguém que estava ocupando irregularmente um terreno do município. A alternativa à cobrança da Fazenda era não receber nada porque o comércio ia continuar lá em cima de um próprio municipal. O ideal é: uma vez que foi feito o planejamento para duplicação da avenida, que isso ocorresse, e não teríamos esse problema.



A Fazenda e a Smic podem agir?

Quem tem de nos dizer se a atividade é irregular é a Smic. Se ela declarar a irregularidade, revogamos a permissão de uso.


Há aluguéis de terrenos em variadas regiões da cidade, para diferentes atividades, com preços abaixo dos de mercado. Por quê?

No momento em que fazemos a permissão de uso, é feita avaliação que se baseia no preço de mercado. Depois, sofre correção do IPCA. E, aí, o mercado cresce mais do que isso. Como o reajuste não é pelo mercado, há um descolamento. Mesmo no mercado, um terreno de 35 metros quadrados teria redutores. Os redutores podem diminuir o preço em até 80%. Isso depende da inclinação do terreno, do tamanho, do formato. Esses imóveis, na maioria das vezes, são nesgas (terrenos reduzidos entre outros de grande extensão, onde não se pode fazer uma edificação isolada) que não servem para nada. Às vezes, é um triângulo bem pequeno, sem serventia, e que é do município. Há exceções.



Em vez de atuar quase como imobiliária, não seria melhor vender esses terrenos ou usá-los para construir equipamentos públicos como escolas e conjuntos habitacionais?

Não podemos nos desfazer desses imóveis porque eles têm um gravame no plano diretor (área prevista para receber futuramente alguma obra). Se é destinado a um alargamento de rua, não posso vender. Em geral, os contratos que fazemos são de sobras de área ou de terrenos com gravames. Eventualmente pode ter algum imóvel sob risco de invasão, e o município prefere alugar do que ficar com ele vazio.

Quando o Detran encaminhou os ofícios às prefeituras em janeiro e setembro de 2015 para comunicar sobre a nova legislação para desmanches, a maioria dos estabelecimentos da Avenida Sertório deveria ser fechada, já que apenas cinco dos cerca de 40 fizeram o credenciamento no órgão estadual de fiscalização.

Conforme o documento encaminhado, a interdição seria atribuição da Secretaria de Produção, Indústria e Comércio (Smic), responsável por regular atividades comerciais em Porto Alegre e emitir alvarás de funcionamento. O problema é que a pasta alega não ter tomado conhecimento da solicitação do Detran, que teria se perdido no meio da burocracia estatal.

Apesar do ruído na comunicação, o diretor da Divisão de Fiscalização da Smic, Rogério Stockey, afirma que a intenção é instituir regime de colaboração.

– Em 2015, interditamos quatro lojas de autopeças usadas na Sertório a pedido da Polícia Civil. Duas romperam a tarja de interdição e reabriram. Comunicamos a polícia sobre esse ato de descumprimento – diz Stockey.

Ele destaca que, desde setembro de 2015, a Smic iniciou uma força-tarefa para mapear, fiscalizar e verificar existência de alvará nos comércios de autopeças da Capital. Até agora, somente nas regiões das avenidas Sertório, Baltazar de Oliveira Garcia, Antônio de Carvalho, Bento Gonçalves e Caldre Fião, além do bairro Restinga, foram notificados 108 desmanches para regularização de alvará. Em 83 deles, ocorreram autuações – quando é constatada algum tipo de irregularidade.

No entendimento de Stockey, a interdição imediata de estabelecimento só pode ocorrer em caso de prática criminosa, como receptação, com comprovação pelas autoridades policiais. Se o caso for de caráter administrativo, como falta de alvará ou de licenciamento, o fechamento das portas tem de obedecer a rito com cinco etapas.


É por conta desse processo mais longo que a maioria dos ferros-velhos da Sertório segue aberta, mesmo sem nenhuma regularização, a despeito da lei.


– Não tenho as ferramentas para identificar o que é receptado. Isso é com as polícias e o Detran. A meta da secretaria é ter ação permanente sobre a comercialização de peças usadas. Estamos com equipe de seis fiscais para trabalhar somente nisso. É o que temos – argumenta o diretor.

Diretora Técnica do Detran, Carla Badaraco adota postura crítica por entender que a prefeitura, independentemente do recebimento de ofícios, deveria aplicar a lei.

– Teoricamente, não precisamos, enquanto Estado, dizer que o município precisa cumprir a legislação – destaca ela, ressaltando que a Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre participou de reuniões antes da entrada em vigor das novas regras para desmanches.

O Detran também é responsável pela fiscalização administrativa dos ferros-velhos. Na prática, o órgão tem de averiguar as peças não cadastradas que estão à venda.

– As ações não vão parar e vão ocorrer em velocidade além do esperado. É nossa prioridade número um. Também pedimos que as pessoas parem de adquirir peças sem procedência ou roubadas. Elas vão buscar hoje a peça do carro que lhe roubaram ontem à noite – diz Carla.

O governo aposta na regulação mais rígida do comércio ilegal de peças usadas como forma de inibir o roubo de veículos.

  1. Section 1
  2. Os terrenos da prefeitura da Capital e os desmanches irregulares
  3. A garagem que teria dado lugar a uma piscina
  4. Prefeitura obtém R$ 132 mil com 87 aluguéis
  5. "Atividade fora da lei é preocupação"
  6. Maioria de ferros-velhos deveria estar fechada