Desde 2004, o Dicionário Oxford, um dos mais conceituados da língua inglesa e publicado pela tradicional editora da universidade britânica, elege a palavra do ano. Já foi sudoku, simples, unfriend (o nosso “excluir” no Facebook). Desta vez, não foi exatamente uma palavra. Anunciada na segunda-feira, a eleita foi a imagem de uma carinha chorando de rir – um emoji, termo em japonês que designa a mistura de figura (e) e letra (moji). Oficialmente intitulado “sorriso com lágrimas de alegria”, é o ideograma mais usado mundialmente e foi escolhido por ser “o melhor símbolo dos costumes, das preocupações e do humor em 2015”, como justifica a editora.
Para a eleição, a instituição britânica usa softwares que observam as palavras que emergem na internet e registram o uso e a frequência com que aparecem. Um grupo de dicionaristas (ou lexicógrafos), consultores de marketing e a equipe editorial analisam as opções para bater o martelo sobre qual termo melhor combina com os acontecimentos de cada ano. Entre as concorrentes de 2015, estavam “refugiado”, devido à crise de imigração no mundo, e “economia colaborativa”, um novo modo de consumir que está transformando o capitalismo na era digital.
Segundo o Dicionário Oxford, a carinha com lágrimas de alegria representou 20% de todos os emojis usados no Reino Unido e 17% dos empregados nos Estados Unidos. Pesquisador americano em linguística, Tyler Schnoebelen não comemorou, mas também não se surpreendeu com a escolha:
– É difícil definir o que é uma palavra. Por exemplo, dicionários trazem expressões como “oh!”, e emojis funcionam de uma maneira similar, pois são símbolos que não só passam emoções, mas também outros sentimentos.
2014 – Vape
A palavra em inglês é uma abreviação de vapor ou vaporizar (em português). Ficou popular por causa dos cigarros eletrônicos.
2013 – Selfie
Há registros de que essa gíria que denonima autorretratos começou a ser usada na internet em 2002. Foi 11 anos depois que se tornou conhecida mundialmente.
2012 – GIF
O formato de arquivo digital usado para imagens animadas começou como um ícone da cultura pop e evoluiu para uma ferramenta do jornalismo, disse o Oxford.
O uso da palavra emoji triplicou em 2015 em comparação a 2014, como indica a pesquisa do Oxford. Mesmo que seja popularmente atrelado a um público jovem, esses símbolos divertidos tomaram conta da comunicação nas redes sociais e sua influência respinga na cultura pop (uma empresa brasileira já fatura milhares de reais com almofadas temáticas), na publicidade (o banco Itaú usou os símbolos em campanha publicitária) e até na literatura.
O americano Fred Benenson causou um burburinho ao arrecadar fundos para “traduzir” o clássico de Herman Melville Moby Dick, rebatizando a obra de Emoji Dick. Sob cada linha do livro, ele coordenou os símbolos específicos para formular as frases com emojis. Uma edição de capa dura e colorida custa US$ 200 (cerca de R$ 760) na loja online emojidick.com. Frase icônica do livro, “Chamai-me Ismael” ficou assim:
O modo de agir na internet é um reflexo do comportamento pessoal. Com o boom dos dispositivos móveis, a linha entre offline e online, entre digital e real já é não é nem ao menos tênue – tornou-se inexistente.
Nas redes sociais ou nos aplicativos como o WhatsApp, é exigida uma troca rápida de mensagens – é até popularmente malvisto o ato de visualizar e não responder no WhatsApp. Enquanto na comunicação verbal face a face, as expressões e a linguagem corporal a ajudam a transmitir as intenções do emissor, na internet, um meio frio, recorremos aos emoticons e aos emojis para contextualizar o sentimento que deve ser percebido.
Durante um jantar entre amigas que não se viam há meses, uma delas se encarregou de postar a tradicional selfie do momento no Instagram. Lá estavam as quatro, todas sorridentes em volta da mesa do restaurante.
A legenda escolhida para a imagem tinha mais ou menos quatro linhas e falava sobre a importância da amizade. Uma das amigas comentou com um:
Alguns minutos depois, a dona da foto reclama:
– Eu escrevo tudo isso e você comenta só com um emoji? Odeio quando acontece isso.
E termina com um:
Essa pequena história aconteceu com a repórter que vos escreve, que até pouco tempo atrás achou que um pequeno símbolo de origem japonesa poderia expressar que aquele sentimento era recíproco. Ledo engano: mesmo que 50% dos comentários e legendas no Instagram contenham esses símbolos, segundo análise feita pela própria rede social, para a amiga não seria suficiente.
Até mesmo a candidata à presidência dos Estados Unidos Hillary Clinton já deslizou na etiqueta digital. Em agosto, ela solicitou nas redes sociais: “Em três emojis, conte como você se sente sobre sua dívida estudantil”. A ideia era se aproximar ao público universitário, mas a ação não teve a resposta esperada e repercutiu de maneira negativa. No Twitter, alguns responderam que o assunto era delicado demais para ser debatido de maneira simplista usando apenas três símbolos.
Os brasileiros usam esse emoji cinco vezes mais do que a média dos demais.
Os emojis de caráter religioso são usados no Brasil duas vezes mais do que nos outros países.
Usamos esses sinais mais do qualquer outro país.
Brasileiros e espanhóis são os campeões do uso do emoji de cerveja.
Essa é a lista dos mais usados pelos brasileiros.
Fonte: pesquisa da SwiftKey, empresa de tecnologia que desenvolve teclados inteligentes, que analisou o uso de mais de um bilhão de emojis por nativos de 16 línguas.
De casinhas a mãos que mostram o dedo do meio, quem padroniza, codifica e aprova cada símbolo é uma organização sem fins lucrativos na Califórnia, a Unicode Consortium. Graças à unificação empreendida pela ONG e adotada pelos principais gigantes da tecnologia, um smartphone com sistema Android recebe o mesmo símbolo, ainda que com um design diferente, que alguém com um iPhone enviou. Hoje, estima-se que mais de 800 emojis podem ser identificados por diferentes plataformas. De tempos em tempos, o catálogo é ampliado para suprir a demanda popular. Com a atualização do iOS 9.1, em outubro, a Apple disponibilizou mais 184 emojis – entre eles o taco, a famosa comida mexicana, e os unicórnios, adorados na web.
Qualquer pessoa pode enviar uma sugestão de emoji, desde que esteja de acordo com as regras técnicas propostas pela Unicode, não seja demasiadamente similar a outros símbolos e tenha uma proposta que possa ser usado em contexto universal. As especificações para envio de um novo emoji estão no site uncode.org.
A ONG indica que os emojis genéricos com expressões humanas devem ter a cor laranja, azul ou um forte tom de amarelo, colorações irreais para que não haja semelhanças com qualquer etnia. E, se o emoji não for de princesa ou de Papai Noel, por exemplo, exige-se que não tenha traços masculinos ou femininos.
Explica-se: os emojis acompanham – e estimulam – tendências, especialmente as de inclusão social. Em 2010, casais gays já eram representados nas figuras.
– Não só os emojis, mas a sociedade está se dando conta de que precisa ser mais inclusiva. As pessoas querem se ver representadas nesses ícones, assim como na cultura pop e nos seriados – aponta a pesquisadora Adriana Amaral.
Em 2015, novas configurações de famílias já estavam disponíveis nos teclados dos sistemas iOS. Em abril deste ano, a Apple disponibilizou a opção com diferentes cores de pele. Muitos comemoraram a atualização, mas, para outros, seria uma simplificação da questão racial, que “obrigaria” cada um a usar o emoji que representasse sua etnia.
Na internet, onde o humor permeia as relações, emojis e emoticons ganharam status de estrelas pop, comenta Adriana Amaral, pesquisadora de cultura digital e professora da Unisinos:
– São produtos de entretenimento e se tornaram personagens, como Mickey ou Star Wars. As pessoas querem colecionar as coisas relacionadas do cotidiano, como esses ícones.
Mas será que, além de divertidos, os emojis são uma ameaça à linguagem? Será que, como disse José Saramago sobre o Twitter, “de degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido”?
De acordo com estudo do Instagram, desde que a Apple e o Android incluíram os emojis no teclado internacional dos seus dispositivos (respectivamente, em 2011 e em 2013), a linguagem da internet passou a mudar. No Brasil, 37% das legendas e comentários já levam emojis. O país mais adepto é a Finlândia, que as usa em mais de 60% dos textos na rede social. O Ministério das Relações Exteriores anunciou, neste mês, que vai lançar os emojis finlandeses, incluindo um que representa o celular Nokia 3310 – o tijolão – e outro que mostra pessoas em uma sauna (uma tradição do país).
O estudo do Instagram também revelou que esses símbolos estariam acabando com os famosos acrônimos (OMG!) e gírias e expressões da internet como “ahaha” ou LOL (laughing out loud, em inglês, o nosso “rindo alto”) – já que, para expressar o sentimento, seria suficiente usar algo como:
Quando questionados se os emojis estão se tornando “uma nova língua”, a expressão dos linguistas poderia ser representada por
– Os emojis são recursos discursivos para modalizar, reparar e intensificar o texto. Mas você vai discutir literatura com emojis? Apesar de terem mudado a maneira de enviar mensagens, temos de ter cuidado com as conclusões apocalípticas. É mais uma onda, e mesmo que fossem criados mais de 10 mil novos símbolos, não poderíamos classificar como língua. Ninguém vai aprender emoji como língua-mãe – sustenta Tania Saliés, professora de estudos de linguagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
O americano Tyler Schnoebelen, da empresa de pesquisa em linguística Idibon, concorda que os emojis não ameaçam a língua escrita. Longe disso: tornaram-se tão populares justamente porque as pessoas estão escrevendo mais.
– É difícil descrever exatamente como está se sentindo em uma mensagem de texto. O emoji legitima sentimentos e é uma maneira divertida de expressar sua personalidade. E seus significados são consistentes na maior parte do mundo, especialmente os smileys: um sorriso é um sorriso em qualquer lugar – conta o autor de uma tese de doutorado em Stanford sobre o uso de emoticons.
Em janeiro, Schnoebelen foi convidado pelo jornal The New York Times para comentar um julgamento de crimes na internet no qual os promotores ignoraram um emoji.
– Os emojis ainda estão associados a uma comunicação informal. Não usaríamos em um contrato, mas, nesse caso, seria uma prova, sim. Assim como não deixaríamos de fora uma palavra, os emojis são importantes para evidenciar a intenção do emissor da mensagem – defende o pesquisador.
O pai dos emoticons é o americano Scott Fahlman. Em 1982, para que uma mensagem em um mural online fosse interpretada com bom humor, o professor da Faculdade de Ciência da Computação da universidade Carnegie Mellon (EUA) usou os sinais de pontuação :-)
O pai dos emojis é o japonês Shigetaka Kurita, que, em 1999, inspirado nos mangás, desenvolveu-os para uma grande empresa de comunicações do país que se preparava para lançar a primeira plataforma de internet móvel no mundo. Os ícones economizariam palavras nas telas pequenas LCD dos celulares mais inteligentes da época.
O britânico Jeremy Burge, 31 anos, é o fundador da Emojipedia (site que cataloga e estuda os símbolos) e o principal organizador do
Dia Mundial do Emoji (17 de julho), quando mobiliza usuários a publicar seus ícones favoritos e a se reunir para festas à fantasia.
Vamos passar a escrever menos e usar mais emojis?
É difícil compreender emoção em um texto sem emojis. Incluir uma
ou a
a pode dar um contexto diferente para a mensagem. Passamos muito tempo nos nossos smartphones. Hoje, tudo gira em torno do texto. Eu não acredito que os emojis substituirão as palavras, mas são uma maneira incrível de adornar o texto. Planejar algo em detalhes apenas com emojis seria impossível.
Qual o seu emoji favorito?
Muda muito, mas ultimamente escolhi esse:
O que esperar para 2016?
As próximas atualizações podem trazer selfie, dar de ombros e o uísque.