Reportagem: Itamar Melo
Edição: Bruno Felin
ELES DEIXARAM O PAÍS PARA INICIAR CARREIRAS DE SUCESSO EM UNIVERSIDADES DO EXTERIOR. VEJA PORQUE É TÃO DIFÍCIL TRAZER ESSES CÉREBROS DE VOLTA
Dois caminhos se abriram diante do paulista Marcus Smolka em 2007, quando ele concluiu o pós-doutorado no Ludwig Institute for Cancer
Research, em San Diego (EUA).
Um deles era retornar ao Brasil e associar-se a um centro de pesquisa dotado de espectrômetro de massa, um equipamento novo, que ele dominava como poucos. Nesse caso, trabalharia como uma espécie de operador da máquina, rodando os trabalhos de outros cientistas. Nas horas vagas, poderia usá-la para dar continuidade a suas próprias pesquisas. A outra opção era aceitar um convite da Universidade Cornell, no Estado de Nova York. Por essa proposta, ganharia um laboratório e teria um espectrômetro só para si, aos 33 anos de idade.
Para Smolka, nenhuma das duas opções era a ideal. O que ele queria mesmo era voltar ao Brasil e ter um espectrômetro. Mas a proposta que apresentou ao Fundo de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) esbarrou no custo do equipamento, da ordem de US$ 1 milhão. O brasileiro acabou escolhendo Cornell.
– Tive de tomar uma decisão. Eu preferiria muito mais estar no Brasil. Ter de educar os filhos em outra cultura, longe da família, é um sacrifício enorme, uma coisa muito forte para a gente. Mas no Brasil o tempo que eu teria para minha própria pesquisa seria mínimo. Não poderia desenvolver meus interesses e avançar como pesquisador. Talvez ficasse frustrado. Ter um laboratório do porte que tenho aqui era algo que nunca aconteceria se eu voltasse – avalia.
Descobertas que mudam vidas
Smolka é hoje parte de uma expressiva comunidade de cientistas brasileiros que estão radicados no Exterior, produzindo pesquisa de ponta e ajudando a mudar os rumos do conhecimento. Tradicionalmente encarado como fuga de cérebros, o fenômeno é, na verdade, uma tendência global, como se vê nos gráficos ao lado.
Marcus Smolka Instituição: Universidade Cornell, Nova York Especialidade: Biologia Molecular / Projetos: desenvolveu uma tecnologia que permite desvendar a ação das quinases, um conjunto de mais de 500 enzimas. Em células cancerígenas, essas quinases garantem que o DNA se replique, levando ao crescimento dos tumores. A intenção é descobrir quais destas quinases precisam ser inibidas para vencer o câncer.
Pouco conhecidos por aqui, muitos desses cientistas expatriados são figuras celebradas no Exterior. Há entre eles, por exemplo, um gaúcho que desenvolveu um método para restaurar pulmões que salvam vidas, outro que desenhou um componente enviado a Marte e um paulista que idealizou um sistema inédito de satélites em órbita ao redor da Terra.
Smolka atua nesse time. Ele desenvolveu uma tecnologia que permite desvendar a ação das quinases, um conjunto de mais de 500 enzimas, algumas delas atuantes na correção de erros no DNA. O trabalho tem implicações importantes no combate ao câncer, porque, na célula que está doente, a quinase acaba por desempenhar um papel perverso: garante que o DNA se replique, levando ao crescimento dos tumores. Ela funciona como um escudo de proteção para as células cancerígenas.
Entender como essas enzimas atuam, no entanto, é um desafio. Sabe-se que elas transferem fosfato para outras proteínas, o que funciona como um sistema de sinalização. Mas dentro da célula há muitos milhares de proteínas diferentes. Usando o espectrômetro, Smolka chegou a uma técnica que permite descobrir de onde estão saindo e para onde estão indo os fosfatos. Para um paciente com câncer, isso significa uma ferramenta capaz de indicar exatamente que quinase precisa ser inibida para vencer a doença, possibilitando chegar a medicações específicas. As descobertas feitas pelo brasileiro já estão começando a ter impacto no desenvolvimento de algumas dessas drogas, atualmente em teste com pacientes.
Do lado oposto do Atlântico, na fronteira entre a França e a Suíça, o engenheiro eletrônico carioca Denis Damazio, 40 anos, participou de uma das conquistas científicas mais celebradas deste novo século: a descoberta do bóson de Higgs, a chamada “partícula de Deus”. Ele chegou pela primeira vez à Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) em 2000, como uma etapa do seu doutorado, e trabalhou durante um ano e meio no desenvolvimento de um componente do Atlas, um dos quatro detectores do Grande Colisor de Hádrons (LHC), a máquina que gerou o bóson.
Aqui no CERN há físicos do mundo todo e é legal ver colaborações do tipo árabes com israelenses, indianos com paquistaneses. Existe bastante colaboração e união em torno do objetivo científico que é trabalhar aqui”. Denis Damazio, engenheiro eletrônico
– Cada detector desses é um monstro, tem um monte de diferentes componentes que chamamos de subdetectores. Um dos subdetectores do Atlas é o que a gente chama de calorímetro, que mede a energia de partículas. Eu fui para trabalhar no desenvolvimento desse subdetector. Desenvolvi técnicas de processamento em que você pega um sinal, trata no computador e consegue dizer que partícula é.
– Desde que entrei no projeto se dizia que o objetivo era achar o bóson de Higgs. Foram 15 anos ouvindo falar disso. Alcançar o resultado e fazer parte dessa história é incrível. Se eu fosse milionário e não tivesse preocupação com salário, talvez ficasse por aqui só para continuar fazendo a mesma coisa – diz.
Damazio vive na cidade francesa de Ferney-Voltaire com a mulher, também brasileira. Segundo ele, isso significa que são duas pessoas sofrendo com saudade da família e do Brasil. Na França, tiveram duas filhas. Depois de uma década, estão ambientados, e voltar é uma opção remota:
– Não penso nisso. O que eu faço aqui, não poderia fazer do mesmo jeito em outro lugar – diz o pesquisador.
Denis Damazio Instituição: Brookhaven National Laboratory, Nova York / Especialidade: Engenharia Eletrônica / Projetos: trabalhou na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) desenvolvendo um subdetector que mede a energia de particulas no Atlas, um dos quatro detectores do Grande Colisor de Hádrons (LHC), responsável pela descoberta do bóson de Higgs, a chamada “partícula de Deus”.
Depois de três anos distante, Damazio voltou ao CERN em 2005, enviado pela instituição norte-americana em que começara a trabalhar, mais uma vez para atuar no Atlas. Desta vez, participou da criação de algoritmos que identificam, em meio às 40 milhões de colisões realizadas por segundo no LHC, quais são relevantes para os estudos da Física – algo fundamental para não perder eventos raros, como o bóson de Higgs. Quando a existência da partícula foi confirmada pelo grande colisor, o carioca exultou.
Atrair esses cérebros de volta ao país é uma ambição que emerge de tempos em tempos. Há quatro anos, o então ministro da Ciência e Tecnologia, Aloízio Mercadante, prometeu iniciativas para repatriar os desgarrados. Há algumas semanas, seu sucessor Aldo Rebelo foi a Washington encontrar-se com uma rede de cientistas exportados. Disse que o governo melhorou o ambiente para pesquisa no país e exortou os compatriotas a contribuir.
– Vocês podem apoiar o esforço do país no desenvolvimento da pesquisa e da ciência e contribuir para programas de inovação, oferecendo ao Brasil o que aprenderam no Exterior.
O peso dos estrangeiros em cada país
Fontes: Escritório Nacional de Pesquisas Econômicas dos Estados Unidos
Concretizar esse sonho, no entanto, nem sempre é tarefa fácil. E pode ser especialmente complicado no caso de cientistas que estão na vanguarda de seu campo de conhecimento. Tome-se o exemplo de Smolka, que diz ter “muito interesse” em voltar e procura manter portas abertas nesse sentido. Se tomasse essa decisão, ele teria de submeter-se a um concurso público – e para tanto seria obrigado a interromper a pesquisa que faz para estudar compêndios de bioquímica.
Esse sistema, segundo Smolka, impede que sejam atraídos não só brasileiros que estão no Exterior, mas também pesquisadores de ponta de outras nacionalidades.
– No Brasil, se você identifica um pesquisador de alto nível que tem interesse em ir para sua universidade, você não tem mecanismos para trazer essa pessoa, a não ser dizer: presta este concurso. A filosofia não é de atrair. É completamente diferente daqui, onde a instituição identifica os pesquisadores em quem tem interesse e faz de tudo para trazê-los. O Brasil precisa mudar a estratégia de recrutamento – defende.
Outro empecilho para um repatriamento é o tempo que o cientista efetivamente tem para pesquisa no Brasil. Em Cornell, Smolka vive dentro do laboratório, fazendo ciência. Sua carga horária como professor não passa de duas ou três horas por semana. Se estivesse aqui, a situação seria muito diferente.
– O pesquisador brasileiro sabe muito bem que é mínimo o tempo que ele tem para a parte criativa, de resolver um problema, de tentar alguma coisa nova. Ele é cobrado a dar muita aula e precisa gastar tempo com uma parte burocrática impressionante. Desse jeito, como é que se vai cobrar pesquisa de alto nível? O pesquisador e o professor brasileiro são guerreiros, estão se virando ao máximo – afirma Smolka.
Os países com mais cientistas no Exterior
Fonte: Escritório Nacional de Pesquisas Econômicas dos Estados Unidos
Dois anos era o tempo que o médico porto-alegrense Marcelo Cypel passaria em Toronto, para um mestrado em cirurgia torácica. Uma década depois, ele continua no Canadá. E centenas de pessoas estão vivas por isso.
Em seu laboratório, o gaúcho de 38 anos desenvolveu uma técnica que permite aproveitar para transplante pulmões que antes eram considerados sem serventia. No hospital universitário onde atua, já são 194 as pessoas que receberam órgãos recauchutados pelo sistema. No mundo todo, aproximam-se de 900 os pacientes salvos graças ao método.
Formado na PUCRS em 1999, Cypel procurou a Universidade de Toronto por ser o mais importante centro de referência em cirurgia torácica, área em que havia feito a residência. Foi lá que a especialidade surgiu e que se realizou o primeiro transplante de pulmão bem-
sucedido. Nos laboratórios da instituição, o jovem pesquisador começou a encarar um dos principais desafios do ramo: a falta de órgãos.
Marcelo Cypel Instituição: Universidade de Toronto Especialidade: Medicina / Projetos: criou uma forma de tratar pulmões antes que eles fossem transplantados para pacientes. A tecnologia tornou utilizáveis muitos órgãos que antes eram descartados sem beneficiar a ninguém.
– Não existem doadores suficientes. Muitos pacientes morrem antes que um órgão esteja disponível. A situação do pulmão é ainda mais grave, porque a maioria é descartada. Na América do Norte, só 20% dos pulmões oferecidos são utilizados – explicou Cypel.
O aproveitamento costuma ser baixo porque os potenciais doadores são pessoas que têm morte cerebral em UTIs, onde estão submetidos a ventiladores mecânicos, recebem muito líquido e não raro contraem pneumonia – condições que lesam o pulmão. Como parte do seu mestrado, Cypel trabalhou em um novo conceito para lidar com esses órgãos: tratá-los com antibióticos, anti-inflamatórios e anticoagulantes em um sistema artificial, para só depois desse processo de restauração transplantá-los em um receptor.
– O jeito como se preservavam os pulmões era colocá-los em um balde de gelo, a 4ºC. É como pôr um pedaço de carne na geladeira. Prolonga o tempo de preservação, mas não dá oportunidade de melhorar. A ideia foi deixar o órgão em condição fisiológica, como se estivesse funcionando em uma pessoa, mas com um sistema controlado de pressões e ventilação, sem outros órgãos em volta e sem o ambiente de infecção que pode ocorrer em uma UTI. Com o pulmão várias horas incubado, recebendo tratamento, a maior parte das lesões se resolve – revela o cientista.
Mais de 20 hospitais nos Estados Unidos e na Europa já utilizam o método. Em Toronto, graças ao trabalho de Cypel, o número anual de transplantes de pulmão realizados pulou de 80 para 150. A taxa de aproveitamento dos órgãos doados subiu de 20% para 45%.
“Sendo brasileiro, considero uma obrigação poder contribuir com os pacientes que estão no Brasil”. Marcelo Cypel, cirurgião torácico
Segundo o médico gaúcho, há sinais de que os pacientes que receberam pulmões restaurados apresentam uma evolução melhor do que os demais transplantados – um indício de que pode ser vantajoso submeter todos os órgãos à perfusão. Na máquina, fatores inflamatórios são eliminados e se remove de forma mais eficiente o sangue do doador. Em uma de suas linhas de pesquisa, Cypel trabalha fazendo modificações genéticas no pulmão, para que ele não seja reconhecido como um corpo estranho – significando uso menor de drogas imunossupressoras e menos risco de rejeição.
Apesar da distância, Cypel quer que sua trajetória tenha impacto no país natal. Ele já iniciou colaborações com pesquisadores nacionais, porque entende que a técnica que desenvolveu é especialmente necessária aqui, onde a taxa de aproveitamento dos pulmões é menor do que em países mais avançados. Também veio ao país em 2013, para ajudar no tratamento de vítimas do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria. Ele trouxe a equipe canadense para aplicar uma técnica de pulmão artificial. Dos três pacientes tratados, dois sobreviveram – o que não teria ocorrido de outra maneira.
Com uma órbita inspirada na hélice entrelaçada do DNA, dois satélites circulam em formação ao redor da Terra, viajando a uma velocidade de sete quilômetros por segundo e produzindo dados topográficos com uma riqueza de detalhes jamais vista. O autor da proeza é um brasileiro de São José dos Campos (SP), o engenheiro Alberto Moreira, 52 anos, primeiro estrangeiro a dirigir um instituto do Centro Aeroespacial Alemão (DLR).
– Esse satélite não tem sistema óptico, funciona só com radar. Esse radar tem uma antena pela qual mandamos pulsos de alta energia até a Terra. O satélite apanha os ecos desse sinal. O princípio é o mesmo do sonar de um morcego: ele berra, recebe o eco e consegue localizar o inseto com precisão. Usando esse sistema, conseguimos imagens de qualidade o tempo todo, o que é um negócio sensacional. Você pode ver tudo o que está mudando na Terra, desmatamento, congestionamento, acidente, erosão, navio ilegal, qualquer coisa. Você vai com o satélite no local e consegue a imagem em alta resolução – explica Moreira.
A agilidade é garantida pelo uso de um sistema eletrônico para controle da antena. Em um sistema óptico, é preciso mexer no satélite quando se deseja tomar imagens de um ponto diferente, o que toma vários minutos. No caso do radar, basta um comando para mudar a direção da captação.
Depois desse êxito, o brasileiro começou a pensar como seria incrível se o radar funcionasse realmente como o sonar de um morcego. Como recebe o eco nas duas orelhas, o animal consegue formar uma imagem tridimensional. No caso do radar de satélite, a imagem era apenas em duas dimensões.
– Minha ideia foi a seguinte: tendo duas antenas, seria como ter duas orelhas, daria para ver a terceira dimensão lá do espaço. Comecei a trabalhar em novas teorias e fiz patentes sobre como dois satélites poderiam voar em formação. E isso não é fácil, porque se os satélites voam muito perto, eles podem colidir. Foi assim que inventei a nova órbita para satélites, similar ao DNA humano – conta.
Alberto Moreira / Instituição: Centro Aeroespacial Alemão, Oberpfaffenhofen, Baviera / Especialidade: Engenharia Espacial / Projetos: criou um sistema de satélites com duas antenas que voam em formação e respondem a um radar de forma semelhante ao sonar de um morcego. Com dois mil pulsos por segundo, consegue imagens de alta qualidade da Terra e é muito mais rápido do que um satélite convencional.
O paulista chegou três décadas atrás ao DLR, um colosso espalhado por 16 cidades e com 7 mil empregados, na condição de bolsista de doutorado. Tinha 22 anos e trazia do Brasil uma mala, um dicionário português-alemão e mil marcos no bolso. Hoje comanda 150 pessoas, incluindo uma centena de cientistas, como diretor do Instituto de Radares e Microondas.
Moreira é o responsável pelo primeiro satélite alemão com radar que, em comparação com um satélite óptico, traz uma série de vantagens – permite fazer imagens em resolução muito mais alta, de áreas de até um metro, por exemplo, e funciona o tempo todo, independentemente de nuvem, de chuva, de ser dia ou noite. Em 2006, o TerraSar-X foi levado ao espaço.
Moreira apresentou o projeto, que foi escolhido entre vários outros, e virou o cientista principal da missão. Em 2010, o Tandem-X foi lançado e passou a orbitar em formação com o TerraSar-X. Pela primeira vez, dois satélites voavam juntos no espaço, a uma distância de 100 a 500 metros um do outro, enviando e recebendo 2 mil pulsos por segundo. Até o momento, só a Alemanha detém a tecnologia. Mas não param de chegar propostas.
Os satélites orbitando em formação
As informações fornecidas pela dupla de satélites têm aplicações nas mais variadas áreas. Permitem analisar geleiras, para saber se há degelo, medir a altura de florestas, para acompanhar como elas evoluem, detectar manchas de óleo no mar com espessura de milímetros e avaliar a umidade do solo, determinando o momento certo de fazer a irrigação de uma propriedade agrícola. Também trazem dados topográficos precisos para a realização de obras, como pontes, estradas ou barragem. Além disso, a missão está produzindo uma nova carta topográfica do planeta, pelo menos 30 vezes mais precisa do que qualquer outra existente. Depois de desenvolver essa tecnologia e participar de cinco missões de satélites do DLR e outras quatro da Agência Espacial Europeia (ESA), Moreira ambiciona ainda mais:
“A visão é que no futuro vão existir constelações de satélites, não só dois, mas três, quatro, até 10 voando em formação. A imagem não será topográfica, será tomográfica, como na Medicina. Vamos fazer uma tomografia da floresta, por exemplo, e entender o que está acontecendo até o chão. É uma perspectiva espetacular”. Alberto Moreira, engenheiro espacial
Outra razão para que alguns dos melhores cientistas brasileiros estejam no Exterior é o fato de eles atuarem em áreas pouco ou nada desenvolvidas por aqui. Nessa categoria encontra-se Jorge Reis-Filho, 40 anos, um daqueles pesquisadores que acabam virando notícia na grande imprensa sempre que publicam seus achados em revistas especializadas. Ainda aluno da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), ele já sabia que queria se especializar em patologia molecular, um campo inexistente no Brasil. Esse interesse levou-o a estudar em Portugal, de onde transferiu-se mais tarde para a Inglaterra, para perseguir o doutorado.
– A patologia molecular consiste em caracterizar os tumores em termos de alterações moleculares, em particular alterações genéticas, e daí usar essa informação para determinar o melhor tratamento para cada paciente. É uma parte fundamental do tratamento oncológico hoje – conta Reis-Filho.
Jorge Reis-Filho Instituição: Memorial Sloan Kettering Cancer Center, Nova York Especialidade: Patologia Molecular Projetos: uniu genética e bioinformática para pesquisar tumores e relacionar genes responsáveis pelas mutações, o que ajuda a criar drogas específicas para atuar em cada tipo de câncer.
Na Inglaterra, ele trabalhou durante uma década no Institute of Cancer Research, em Londres. Considera esse período os seus “golden years” (anos dourados). Foi lá que percebeu, no começo da década passada, que o tipo de ciência genética que se fazia – relacionar um único gene a uma dada doença – estava com os dias contados. Enxergou, de forma pioneira, que seria necessária uma nova abordagem, levando em conta todo o genoma humano, cujo mapeamento recém havia terminado.
– Eu pensei: que oportunidade fantástica! Vou estudar matemática e computação para utilizar essas informações que vão começar a chegar e que só poderão ser trabalhadas com computador. Isso me deu uma chance enorme, porque eu estava combinando patologia, genética e bioinformática, tudo isso voltado para o câncer.
Meses antes de terminar o doutorado, com apenas 30 anos, o brasileiro já havia impressionado os britânicos e ganhou um laboratório para comandar. Seguiram-se muitas descobertas de repercussão. Em 2008, por exemplo, ele desvendou o mecanismo genético que faz alguns tumores de mama e ovário causados por mutações nos genes BRCA-1 e BRCA-2 tornarem-se resistentes ao tratamento. O avanço ofereceu um norte para o desenvolvimento de novas terapias, atualmente em testes. Os resultados são promissores.
Em 2012, Reis-Filho aceitou a proposta de transferir seu laboratório para o Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York – os americanos perceberam que estavam ficando para trás na área. Lá, ele comanda uma estrutura com 12 cientistas. Como outros pesquisadores nacionais, faz questão de sempre ter doutorandos brasileiros na equipe, uma forma de fazer os conhecimentos que produz beneficiarem o país natal (Smolka, outro adepto da prática, descreve-a como “infiltração” de brasileiros).
Uma linha de pesquisa que deixa o cientista “superexcitado” é a dos tumores raros, que praticamente não são estudados. Segundo ele, nesses cânceres, em geral, há uma única mutação causadora, o que em tese tornaria mais fácil projetar um tratamento. O cientista está sequenciando esses tumores e descobrindo qual a alteração que os provoca. No ano passado, publicou os resultados sobre dois tipos, de músculo estriado e de glândulas salivares. Trabalha no momento com outras três variedades, duas delas de mama.
“Uma vez que se descobre a mutação, abrem-se perspectivas de diagnóstico e de tratamento. Hoje em dia, há centenas de drogas em ensaios pré-clínicos com as quais se pode inibir qualquer enzima do genoma, então é mais fácil desenvolver medicações. A combinação desses compostos terapêuticos com o sequenciamento que estamos fazendo é explosiva. Abre tantas portas que o limite é só a nossa criatividade”. Jorge Reis-Filho, patologista molecular.
Veja uma entrevista com Reis-Filho para a IPATIMUP, instituição onde ele realizou o mestrado em Portugal:
Quando o chefe da missão anunciou que a sonda a ser enviada a Marte não teria mais anemômetro, em razão de prazos e custos estourados, o engenheiro mecânico gaúcho Carlos Lange soube que era uma questão de tempo para a pergunta tão temida aflorar. Ela veio dias depois, na teleconferência que reunia cientistas de todo o Canadá
– Então, Lange, se não temos anemômetro, todo o teu modelo é inútil, certo?:
Lange gelou. Era a dura verdade. Ao longo de um ano e meio, ele havia desenvolvido um complexo modelo computacional capaz de fornecer informações atmosféricas de Marte a partir de uma única e singela medição de vento feita pela sonda Phoenix. Era o equivalente a adivinhar uma montanha a partir de um grão de areia. Mas agora ele não teria mais o grão de areia – o anemômetro.
Carlos Lange Instituição: Universidade de Alberta, Canadá Especialidade: Engenharia Mecânica Projetos: criou um anemômetro superleve utilizado na sonda Phoenix, da Nasa, que viajou até Marte para coletar informações do Planeta Vermelho.
Desde o princípio, quando fora convidado a fazer parte do grupo canadense engajado na missão internacional, Lange havia sido acolhido com desconfiança. Era a primeira vez que sua especialidade, a mecânica dos fluidos computacional, virava ferramenta de pesquisa em uma sonda interplanetária.
– Ninguém usou isso no passado. Por que nós vamos usar? – murmuravam os colegas.
Na teleconferência, confrontado com o desespero, Lange tomou uma atitude desesperada. Se a Nasa não conseguira entregar o anemômetro eletrônico, ele próprio desenvolveria uma solução.
– Uma estação meteorológica sem medição de vento é uma vergonha. Temos de medir o vento de qualquer maneira – insistiu.
Lange dedicou os quatro meses seguintes a testar protótipos no seu laboratório na Universidade de Alberta, no meio das pradarias geladas do Canadá. O desafio era produzir, em lugar do aparelho sofisticado da NASA, um equipamento baseado em princípios mais prosaicos. Tratava-se de um anemômetro de barbantinho, assim chamado porque a ideia era dotar a Phoenix de algo similar a um barbante que se movesse com o vento. O primeiro obstáculo: esse tipo de anemômetro nunca funcionara em missões anteriores, por causa do ar rarefeito e das brisas de baixa velocidade, da ordem de 3 km/h. O segundo problema: o limite de peso para o equipamento era de 30 gramas – e apenas sua armação pesava 24 gramas.
No fim, Lange chegou a um canudo oco pendurado por fios. Demonstrou perante os colegas que ele era capaz de se mover um milímetro com o mais fraco dos ventos, o suficiente para o movimento ser registrado pela câmera acoplada à sonda. Peso total: 25 gramas. Construído na Dinamarca, o anemômetro de barbantinho com sotaque gaúcho viajou 679 milhões de quilômetros até Marte. Permitiu a retificação de informações meteorológicas e garantiu que as amostras coletadas do solo não haviam sido alteradas pelo vento. Recentemente, Lange começou a contribuir no desenvolvimento de um anemômetro sônico específico para Marte com tecnologia canadense, muito mais preciso do que qualquer outro usado anteriormente.
Lange com o seu anemômetro de 25 gramas
Quando a Phoenix foi a Marte, Lange comemorava uma década em Edmonton, no Canadá, e duas décadas de formatura na UFRGS. Nascido em Porto Alegre há 50 anos, ele já afirmava na infância que seria engenheiro. Desde menino, tinha sua própria caixa de ferramentas, que usava para desmontar brinquedos e relógios. Mas, quando chegou ao último ano do curso de Engenharia Mecânica, estava desorientado. Não sabia, entre tantas alternativas, qual escolher. Procurou vários professores em busca de conselho e acabou convencido a fazer o mestrado em mecânica de fluidos computacional – uma área na qual se estuda e se codifica em equações o comportamento de líquidos e gases. Deu tão certo que obteve do governo alemão uma bolsa de doutorado. Três semanas antes de viajar, casou com Sandra, uma colega no mestrado da UFRGS. Doutorou-se em 1997 e aceitou o convite para fazer seu pós-doutoramento na Universidade de Alberta. Virou professor em 2001.
Logo que chegou ao Canadá, ainda como pós-doutorando, Lange foi convidado a trabalhar em um campo no qual normalmente não se imaginam engenheiros mecânicos: a medicina. Um médico da universidade havia pedido, para surpresa dos engenheiros, ajuda com inaladores e respiradores. Explicou que os equipamentos eram ineficientes. Um professor aceitou o desafio e chamou Lange para participar. A pesquisa levou ao desenvolvimento de inaladores que expelem as partículas de remédio no tamanho exato e com o perfil de vento certo para atingir o pulmão.
– O médico sabe que uma determinada quantidade de remédio precisa chegar a certo lugar, mas não sabe como fazer isso. Essa é a parte em que o engenheiro contribui – explica Lange.
Em alguns casos, essa contribuição pode salvar incontáveis vidas. O gaúcho está envolvido na criação de um medicamento capaz de evitar que infectados por gripe expilam gotículas ao tossir. Assim, o vírus não seria transmitido, poupando a humanidade em caso de pandemia.
O momento do pouso da Phoenix em Marte com uma simulação em vídeo:
Duília de Mello Instituição: Universidade Católica da América, Washington, EUA Especialidade: Astrofísica Projetos: Descobriu uma supernova e participou da descoberta das chamadas bolhas azuis, estrelas sem galáxias.
No ano passado, quando o Ministério de Relações Exteriores, o Ministério da Indústria e Comércio e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial resolveram criar o Prêmio Diáspora, para destacar talentos brasileiros com atuação no Exterior, a astrofísica Duília de Mello, de 51 anos, foi escolhida como profissional do ano.
Pesquisadora da Agência Espacial Norte-Americana (NASA), professora da Universidade Católica da América e especialista na análise de imagens produzidas pelo telescópio espacial Hubble, a paulista de Jundiaí é um nome de peso em sua área. Descobriu uma supernova e participou da descoberta das chamadas bolhas azuis, estrelas sem galáxias. Veja a entrevista:
A senhora conseguiria fazer no Brasil o mesmo tipo de trabalho que realiza nos Estados Unidos?
Atualmente o Brasil oferece boas condições para a pesquisa em astronomia. Quando saí do Brasil, em 1997, estávamos passando por uma fase bem diferente, pois os investimentos eram limitados e não se contratava professores e pesquisadores com frequência. O problema do Brasil é que a situação é muito flutuante e não existe uma constância nos investimentos. Isso desanima um pouco os jovens a pensar em longo prazo, e ciência tem de ser pensada a longo prazo. As comunidades científicas precisam ter metas e planos para alcançar essas metas. Sem os financiamentos adequados, essas metas não podem ser cumpridas. Fiquei bastante contente quando soube que o Senado aprovou a adesão do Brasil ao consórcio de países europeus do ESO, o observatório austral. É o maior observatório do mundo, e fazer parte desse grupo de países dá um ótimo sinal para a sociedade de que o Brasil está levando ciência a sério.
Ter optado por trabalhar no Exterior envolveu sacrifícios pessoais?
Claro. Morar fora do nosso país e da nossa cultura não é fácil. Sinto muitas saudades dos parentes e amigos.
Como é a sua rotina de pesquisas?
Como a grande maioria dos cientistas do mundo, sou professora e pesquisadora. Dou aula de física e astronomia e faço pesquisa em astronomia. Tenho projetos que envolvem muitos colaboradores e estudantes. Então, quando não estou atarefada com as aulas, estou envolvida em reuniões com colaboradores e estudantes de doutorado. Passo também boa parte do dia escrevendo projetos para conseguir tempos nos telescópios, como no telescópio espacial Hubble, e projetos para conseguir fundos para gerenciar as minhas pesquisas e pagar bolsas aos estudantes.
Em que trabalho está envolvida no momento?
Atualmente estou envolvida com as últimas imagens profundas que tiramos com o telescópio espacial Hubble. Minha estudante de doutorado, Amy Soto, está fazendo tese utilizando essas imagens. Estamos analisando como as galáxias evoluíram até virar galáxias como a nossa. Tenho projetos também analisando imagens de galáxias em colisão, e estamos selecionando galáxias que estão quase se fundindo em uma só. O projeto é incrível, mas ainda não tem fundos. Espero conseguir e poder contratar estudantes brasileiros para trabalhar comigo.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) divulgou em 13 de julho os dados mais recentes da série Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil.
A pesquisa revela que 61% dos brasileiros demonstram interesse por Ciência e Tecnologia, uma média maior do que na União Europeia, por exemplo que é de 53%.
O tema é o quinto que mais atrai a atenção da população – está atrás de Medicina e Saúde (78%), Meio Ambiente (78%), Religião (75%) e Economia (68%). O interesse por Ciência e Tecnologia é maior que em Arte e Cultura (57%), Esportes (56%), Moda (34%) e Política (27%), por exemplo.
Nosso grau de confiança na ciência como geradora de resultados aplicáveis à vida e capaz de solucionar problemas é de 73%.
Veja outros dados:
Imagem dos cientistas